- Por Ramon Carlos
Como qualquer país, a realidade de Cuba é bem diversa e complexa, assim como os mais de 50 anos de sua Revolução. A visão estrangeira sobre Cuba apresenta os mais diversos absurdos, que acreditam que Cuba seja um estado policial repressivo que governo sobre o medo de seus cidadãos. A revolução passou por inúmeros processos de reinventar-se e se adaptar às dificuldades internas e externas, e precisamos entende-las ou, pelo menos, conhece-las para que esta propaganda política desleal contra Cuba seja desmistificada. Este texto tenta trazer e modo resumido os caminhos trilhados pelo país, desde os tempos e lutas pela independência até os processos de sua Revolução e suas conquistas sociais que são exemplos mundiais, principalmente nas questões de saúde e educação.
Independência
Terra onde Hatuey, fugido da Hipaniola (hoje Haiti),
pegou em armas contra os colonizadores espanhóis em 1511. O ‘primeiro rebelde da
América Latina’. Cuba foi a última colônia da América Latina a libertar-se da
Espanha, em 1898, em um processo que teve início em 1868. Neste ano, Carlos
Manuel de Céspedes libertou seus escravos e os convocou a lutar junto dele,
José Martí e Antônio Maceo pela independência do país. As ideias para uma Cuba
independente eram associadas a ideias de igualdade e unidades raciais. Algo
muito diferente do que acontecia nos EUA até os anos de 1960 (e até hoje têm
reflexos significativos). É importante dizer que isso não significa que não
existiu ou não exista racismo em Cuba, afinal, nenhuma sociedade fundada com
séculos de exploração racial seja capaz de mudar este quadro de um dia para o
outro.
Com o andar das lutas pela independência, a presença
dos EUA no continente aumentava. Em 1848, o gigante do Norte avançava para o
Oeste, anexando territórios antes pertencentes ao recém independente México.
Então, em 1898, os EUA invadem a ilha e a ocupam militarmente até 1902.
Implantaram a Emenda Platt*, que definia na constituição cubana, o direito de
uma intervenção militar americana caso os interesses e as propriedades
americanas fossem ameaçados, ampliação da extração de carvão, além de construírem
bases navais, como é o caso de Guantanamo. Esta influência americana na ilha,
total dominação política, econômica durou até 1959. Com isso, com exceção de
Porto Rico, nenhum país latino americano teve um período tão longo de
influência americana como Cuba, o que, de certa forma, moldaram uma parte da
cultura e o senso de identidade nacional.
*Que o
governo cubano permita que os EUA exerça o direito de intervir no sentido de
preservar a independência cubana, manter a formação de um governo adequado para
a proteção da vida, a propriedade, a liberdade individual. [...] e, para
proteger a população dali, tão bem como para sua própria defesa, o governo de
Cuba deve vender ou alugar terras aos Estados Unidos, necessárias para a
exploração de carvão para linhas férreas ou bases navais em certos locais
especificados de acordo com o Presidente dos Estados Unidos. (Morris, 1956,
p182-3)
Em 1905, 60% das terras rurais eram propriedade de
cidadãos ou empresas americanas. 90% do comércio de tabaco eram controlados por
investidores americanos, além de terem também controle de minas de ferro, cobre
e níquel, sem contar os sistemas de ferrovias, energia e comunicação. [1] Cuba
tinha um status colonial que durou até a Revolução, em 1959.
A crise de 1929 afetou dramaticamente a economia
Cubana que dependia de exportações. O governo da época, No início da década de
1930, trabalhadores rurais e urbanos, estudantes, intelectuais e uma grande
gama de cidadãos cubanos optaram pela ação direta e a luta armada. Durante este
período, o embaixador americano Sumner Welles e o exército cubano fizeram
algumas articulações por baixo dos panos e, mesmo Fulgencio Batista tendo
liderado uma revolta militar contra o escolhido de Sumner em 1933, Sumner via
Batista com olhos otimistas, do ponto de vista americano. E assim que Grau (responsável
em 1933, por retirar a Emenda Platt de vigor) decide colocar Batista como líder
do exército, os Estados Unidos decidem reconhecer o governo cubano, fazendo com
que Batista governe diretamente Cuba nos períodos de 1934 a 1944, [2] onde o
próprio Batista era um produto da revolta de 1933, e muitos setores da própria esquerda
o viam como um continuador desta, e é substituído por Grau San Martin em 1944.
Batista tem seu retorno como ditador na década de 1950, tornando-se um dos
principais fatores detonantes para um movimento de oposição radical, e a
revolução. [3]
Na década de 1950, cerva de 1,5 milhão de pessoas eram
de desempregados, trabalhadores sem terras e campesinos, que viviam a base de feijão,
arroz e água com açúcar, com suas crianças sofrendo de parasitas. Haviam 900
mil pessoas que controlavam 43% da renda do país. Entre estes dois extremos,
haviam 3,5 milhões de pessoas que, apesar de não viverem como as mais pobres,
estavam em uma situação de risco e tinham grande dificuldade para sustentarem
suas famílias, uma vez que Cuba era extremamente dependente de importados dos
Estados Unidos, mas seus salários eram muito inferiores aos americanos, além de
não terem as garantias sociais que os americanos possuíam. [4]
Revolução e Socialismo
Se em 1898 o exército americano impediu os rebeldes da independência de entrarem na capital de Santiago, Fidel proclama “Desta vez, os mambises vão marchar em Santiago de Cuba” em 31 de dezembro de 1958. No ano novo de 1959, o exército revolucionário faz sua entrada triunfante em Havana. A guerra havia acabado, mas dava-se início, de fato, a revolução.
Se em 1898 o exército americano impediu os rebeldes da independência de entrarem na capital de Santiago, Fidel proclama “Desta vez, os mambises vão marchar em Santiago de Cuba” em 31 de dezembro de 1958. No ano novo de 1959, o exército revolucionário faz sua entrada triunfante em Havana. A guerra havia acabado, mas dava-se início, de fato, a revolução.
Com a revolução e sua audaciosa transformação econômica,
Cuba fez sua reforma agrária e chegou a quase total nacionalização da economia.
Antes de 1º de Janeiro de 1959,
Elites latifundiárias mantinham controle
quase feudal das zonas rurais, lucrando com o trabalho de uma grande classe
agrária extremamente pobre. Áreas urbanas modernas serviam às necessidades de
uma pequena elite ligada ao capital estrangeiro. A renda foi dissipada pela
elite no consumo de bens de luxo, em vez de ser investidas na produção. O
capital estrangeiro controlava setores básicos da economia. As instituições
democráticas eram fracas ou inexistentes. Isso significava que o capital
estrangeiro reinava supremo e que decisões importantes sobre o uso dos recursos
do país eram tomadas por estrangeiros para o bem de estrangeiros.
[...]
Quatro terços da terra cultivável do país eram usadas para produzir açúcar, o
que representava 80% de suas exportações. 40% das fazendas e 55% dos moinhos
estavam nas mãos de empresas americanas. [...] 90% dos serviços de
telecomunicações e eletricidade em Cuba, e metade das ferrovias do país, além
de porcentagens significativas dos setores bancário, pecuário, de mineração,
petrolífero e açucareiro. (A. Chomsky, 2015, p. 56)
O economista sueco Claes Brunendius descreve a vida
dos chamados guajiros, grande maioria
da população, que era rural e pobre.
Ele
morava num bohío, uma pequena casa de terra batida e telhado de palha de
palmeira. Para 90% dos guajiros, um lampião de querosene era a única forma de
iluminação e 44% deles nunca havia frequentado a escola. Apenas 11% bebia
leite, apenas 4% comia carne e apenas 2% comia ovos. A dieta diária, que tinha
uma deficiência de mil calorias, era o principal responsável pelo aumento
constante no número de casos de tuberculose, anemia, doenças parasitárias e
outros males. [5]
O principal pilar da revolução era diminuir a
desigualdade entre a parte rural e a urbana. Os serviços básicos como, escolas,
hospitais, eletricidade, agua encanada e saneamento deveriam chegar até o
campo.
A revolução expandiu ao máximo os serviços sociais.
Educação, saúde, medicamentos e previdência social, todos gratuitos ou com um
custo muito baixo. Preços de transportes públicos caíram drasticamente, e os serviços
sociais de água, serviços funerários e até telefones públicos também tiveram
avanços. [6]
Após uma campanha de alfabetização que mobilizou mais
de 300 mil jovens, em poucos meses se reduziu o analfabetismo ao nível mais
baixo da América Latina (3,9%). Estabelece-se também a gratuidade do ensino,
acabando totalmente com o ensino privado. Os setores de eletricidade e telefonia
tiveram reduções de tarifas significativas. [7]
Em 1960, o governo revolucionário criou o Serviço de
Saúde Rural, levando saúde para uma área onde a população mais pobre mal
conhecia um médico. Esse serviço foi responsável pela instalação de hospitais
rurais, além de exigir que os médicos recém graduados fizessem um ano de
serviço social nas áreas rurais menos favorecidas. [8]
Economia
Sem entrar em muitos detalhes, Cuba teve desafios
imensos em sua revolução.
No início dos anos 60, aconteceu o chamado “Grande
Debate” onde os líderes revolucionários, economistas e pensadores cubanos
decidiriam os rumos da economia. Primeiramente enfrentava dois problemas pós
revolução: Evasão de capitais e evasão de capitais sociais.
O primeiro pode ser explicado como
Em uma
economia capitalista, o investimento vem de indivíduos ou instituições privadas
(como bancos), que investem seu dinheiro onde acreditam que possam obter lucro.
Se um governo começa a limitar a capacidade de lucrar – seja aumentando
salários, seja impondo restrições jurídicas às empresas -, os capitalistas
começam a partir para outro lugar. Eles podem colocar seu dinheiro em bancos
estrangeiros ou investir em empresas no exterior. (Chomsky, A. 2015, p.61)
O segundo
É
comum que as classes antes privilegiadas, normalmente com maiores níveis educacionais,
mais qualificações, mais contatos e outras formas daquilo que os cientistas
sociais chamam de capital social, decidam fugir do país também quando notam a
evaporação de seus privilégios. As instituições (escolas particulares,
empregadas e restaurantes de luxo) e itens de luxo, dos quais dependem seu
status, não existem mais. [...] Metade dos 6 mil médicos de Cuba, migraram nos
anos que vieram logo depois da revolução. O país perde seu capital social –
suas habilidades, conhecimentos e contatos -, tão importante para restaurar a
economia. (Idem)
Os primeiros anos foram caracterizados por um grande
sentimento de voluntarismo. Os que não concordavam deixavam o país mas, em
compensação, os que ficavam, sentiam que este momento único seria de extrema importância
para a reformulação da sociedade.
O planejamento socialista cubano também cometeu erros,
ao desprezar a cana-de-açúcar, que era o principal produto de exportação do
país, na tentativa de diversificar a agricultura. Che, então na direção da
economia cubana, faz uma importante autocrítica: “Cometemos o erro fundamental de desprezar a cana-de-açúcar, tentando
uma diversificação acelerada que resultou no descuido da cana, e que, junto com
uma forte seca que nos castigou por dois anos, provocou uma grave queda na
nossa produção açucareira”.
Durante a década de 1970 também foram introduzidas
algumas políticas de mercado. Na década de 1980 foram criados, no setor de
alimentação, alguns mercados privados, de forma a permitir que fazendeiros,
cooperativas e fazendas estatais pudessem vender seus produtos diretamente ao
público, e definirem seus próprios preços. [9]
Contudo,
se a estratégia de mercado solucionou alguns problemas do socialismo – faltas de
incentivo e baixa produtividade -, ele também trouxe de volta alguns problemas
do capitalismo. Preços altos significam que apenas algumas pessoas possuíam dinheiro
para comprar o que os mercados tinham a vender, e que os vendedores podiam
obter lucros exorbitantes. [...] Os experimentos com incentivos que aumentaram
a desigualdade foram até certo ponto. O compromisso do governo com igualdade
continuava a reinar em outros setores, especialmente na área de saúde. [...] A
equipe de médicos e enfermeiras não atendem os pacientes apenas na policlínica,
mas também os visitam nos lugares que eles frequentam diariamente: casa,
escola, unidades básicas de saúde e ambientes de trabalho. (Chomsky, A. 2015,
p. 72-73)
Democracia, Migração e a Cuba atual
Mas
afinal, o que seria a democracia?
Em
um texto publicado anteriormente AQUI, já discutimos um pouco sobre como as
instituições democráticas deveriam se definir.
O ocidente já tenta a
décadas resumir a democracia às eleições a cada quatro anos numa lista de
candidatos apoiados por grandes empresas, empreiteiras etc. Democracia não se
resume ao voto. Democracia é participação popular, justiça social, igualdade e
outros elementos que permitam o desenvolvimento de uma sociedade onde os
direitos sejam respeitados e onde os cidadãos tenham de fato participação na
tomada de decisões que afetam sua vida, que tenham acesso às informações
necessárias e relevantes e que a política deixe de ser apenas mais um produto a
ser consumido.
A
influência americana global, principalmente com o Macartismo, gerou nos países
ocidentais a associação ao socialismo com a falta de liberdades de expressão e
à liberdade individual, violação de direitos humanos, repressões e campos de
trabalhos.
Mas essas coisas acontecem com muito mais frequência
nos países capitalistas do que em Cuba. Quantas vezes vemos policiais na
Alemanha, na França, no Brasil mascarados, com equipamentos de guerra, com
máscaras de gás, lançando jatos d’água na população que ousa contestar o
capitalismo e suas facetas. A criminalização de movimentos sociais que estamos
presenciando no Brasil, a própria seletividade de informações a qual a grande
mídia utiliza como arma ideológica são exemplos antidemocráticos.
policiais franceses marcham pelas ruas portando mascaras de gas e escudos taticos |
Estamos acostumados a ouvir inúmeros absurdos sobre Cuba, um país que só foi ter voz após o triunfo da revolução e que, hoje, só se manifesta no imaginário brasileiro como um lugar horrível, onde se prendem quem ousa ir contra o regime, ou onde você está preso em seu próprio território.
Cuba criou os Comitês de Defesa da Revolução (CDR’s),
e junto da campanha de alfabetização e as Escolas de Instrução Revolucionárias
(EIR’s), buscavam a criação do “homem novo” que Che tanto falava, por meio da
mobilização e da participação.
Estamos
lutando contra a miséria, mas também contra a alienação [...]. Marx estava
preocupado tanto com os fatores econômicos como com suas repercussões no
espirito humano. Se o comunismo não estiver interessado por isso, ele pode até
ser um método de distribuição de renda, mas nunca será um modo de vida
revolucionário. (Che Guevara)
Uma pesquisa de 1960, descobriu que 86% da população
afirmava apoiar o governo revolucionário, sendo 43% apoiadores “fervorosos”.
Sujatha Fernandes, professora de ciência política e sociologia da Universidade
de Sidney afirma que o Estado Cubano
Não é
um aparato centralizado repressor que exige a aplicação de suas ordens para os
cidadãos de cima para baixo, mas sim, uma entidade permeável que molda as
atividades de vários atores sociais ao mesmo tempo em que é constituída por
elas.
Fernandes ainda afirma que, após a perda do apoio econômico
e da influência ideológica da URSS, ampliou-se o espaço para se repensar a
cultura revolucionária de baixo para cima.
Durante as décadas da revolução, principalmente a de
1990, os intelectuais cubanos estiveram em intensos debates sobre a democracia,
sua natureza e seu significado. O acadêmico cubano Juan Antonio Blanco afirma:
Eleições
não são sinônimo de democracia mas representam apenas uma parte dela. O
Ocidente tenta há décadas reduzir a democracia ao exercício da votação a cada
quatro anos. Para mim, a democracia é a participação diária da população em
questões que afetam a vida das pessoas, e não simplesmente votar numa lista de
candidatos apoiados por forças misteriosas. [12]
O cientista social Hugo Azcuy Henriquez diz ainda que
o aprimoramento da democracia não deve
Ser apenas,
tampouco, principalmente, sobre sistemas pluripartidários, eleições periódicas
supervisionadas ou outros tópicos comuns no discurso regional sobre democracia,
mas sim sobre participação popular, justiça social, igualdade, desenvolvimento
nacional e outros elementos que são de maior importância para a construção de
regimes democráticos estáveis e para o crescimento de sociedades em que os
direitos humanos sejam respeitados de maneira mais plena. [13]
Estes estudiosos envolvidos, em tais debates, também
apontam as instituições como as assembleias eleitas do Poder Popular,
participação em organizações de massa, e canais institucionais para discussão e
debate de leis e políticas são os pilares da democracia em Cuba. Eles também
ressaltam que as políticas de agressões por parte dos norte-americanos contra
Cuba, afetam nas atitudes do governo em determinados pontos, que podem
dificultar a organização política independente, o que, segundo eles, poderia “permitir
o desenvolvimento de uma oposição leal”. [14]
Esses intelectuais também fazem críticas internas às
instituições políticas e econômicas, fazendo uma clara distinção entre críticas
de direita, a qual rejeita a experiência socialista, baseado na propriedade privada,
num sistema pluripartidário, no comercio eleitoral e nas liberdades individuais”
e as críticas de esquerda, que “incluem críticas internas que ativistas
partidários, acadêmicos, líderes políticos e a população cubana têm em relação
ao sistema político cubano, e que pedem uma estrutura de poder mais
diversificada, descentralizada e despersonalizada, e que o objetivo seja
preservar o poder revolucionário e desenvolver a democracia participativa”.
[15]
Mais de 2 mil associações e organizações civis foram
criadas, incluindo aquelas que hoje atuam como organizações não governamentais,
nos anos de 1987, e representam grupos culturais, científicos, esportivos e
ambientais, entre outros. [16]
Imigração
É importante termos algumas coisas em mente. Os EUA
fizeram do problema da migração um instrumento de desestabilização da ilha,
após o trinfo de Fidel. Abriram suas portas aos defensores de Batista e à
oligarquia do antigo regime. De 1960 a
1969, mais de 200 mil cubanos partiram para os Estados Unidos. Como comparação,
o total da década anterior, de 1950 a 1959, foi de 73 mil saídas para os
Estados Unidos. [10]
Na segunda metade do século XX, a emigração era algo
extremamente comum, principalmente na América Central e no Caribe.
A
maioria das ilhas caribenhas viu pelo menos 10% de sua população emigrar
durante esse período. Porto Rico se destacou tendo a maior parte da sua
população -4,9 milhões de pessoas – morando nos Estados Unidos e apenas 3,7
milhões na ilha. A República Dominicana, com cerca de 10 milhões de habitantes,
teve 1,5 milhão de emigrados para os Estados Unidos. [...] Os cubanos tinham
uma situação diferente sob a lei de imigração norte-americana. Muitas pessoas
de outras partes da América Latina, mesmo as que fugiam de guerras, repressões
e perseguições em níveis muito mais severos do que as sofridas pelos cubanos,
descobriam ser quase impossível o reconhecimento como refugiados. [...] Os
cubanos eram recebidos em condição de refugiados, além de programas federais
para empregos, educação e moradia. Nem mesmo os porto-riquenhos, que são
cidadãos norte-americanos, recebiam os benefícios especiais destinados aos
cubanos. (Chomsky, A. 2015, p. 116)
Três razões explicam que a emigração maciça. Primeiro,
historicamente, Cuba sempre foi um país com forte emissão migratória para o
vizinho do norte. O segundo fator que favoreceu a emigração cubana para
os Estados Unidos desde 1960 foi a aplicação de severas sanções econômicas
contra a ilha desde julho de 1960, que foram totais em fevereiro de 1962. O terceiro parâmetro que deve ser levado em
consideração é a Lei de Ajuste Cubano, em vigor desde 1966.
Também é importante analisarmos que, os EUA definiam
os imigrantes de países comunistas como refugiados políticos, enquanto os
imigrantes vindos de países como México e Porto Rico eram considerados
imigrantes econômicos. Mas, na prática, elas se confundem. Aviva Chomsky
escreve:
Tanto
nos países capitalistas como nos países comunistas, os governos tomavam medidas
econômicas que tinham efeitos na população e, em particular, na distribuição de
recursos do país. No México, eram os pobres rurais que viam suas opções econômicas
reduzidas e que migravam para os Estados Unidos em busca de trabalho, muitas
vezes sob condições miseráveis, para sustentar as famílias que ficaram em seu
país. Em Cuba, foram principalmente os profissionais urbanos que tiveram suas
opções econômicas reduzidas pela revolução. [...] “A política norte-americana
se baseava na premissa de que, nos países comunistas, as dificuldades econômicas
eram resultado das políticas econômicas e, portanto, eram políticas”. No caso
de um país capitalista, como o México, porém, “a política norte-americana se
baseava na ideia de que a pobreza era meramente um problema econômico, não
político”. (p. 118)
Embora os motivos da imigração cubana para os EUA sejam
exatamente os mesmos de outros países latino americanos, é muito mais
conveniente para os interesses norte-americanos, que esses imigrantes sejam
resultados estritamente políticos.
Em 1980, o Presidente Carter dos EUA, devido ao fluxo
de imigrantes altos, após Fidel abrir o porto de Mariel, pressionou o governo
cubano a fechar o porto, em outubro do mesmo ano. [11]
Conclusão
Enquanto escutamos várias e várias vezes, que Cuba é uma
ditadura, que Fidel pode ser colocado no patamar de ditador, a história de Cuba
nos mostra muitas vezes que não. Fidel é sim uma figura importante em Cuba,
como símbolo máximo do trinfo da revolução, mas as decisões não são ditadas por
ele. Enquanto nós, no Brasil, estamos nos acostumando cada vez mais com a
votação de quatro em quatro anos, e que temos a sensação de que tudo continua
na mesma, uma vez que nossa democracia se restringe a isto, continuamos a ver
uma diminuição significativa nas eleições e isso não significa que criamos uma consciência
política de que a democracia representativa burguesa é restrita e não aceita mudanças
radicais ao sistema. Enquanto isso, cuba tem uma participação popular para as assembleias
que ultrapassam 80% de eleitores. [17]
Quanto a questão da imigração e as liberdades
individuais, temos de entender os fatores por trás de cada aspecto, antes de
replicar o discurso simplista midiático e ideológico. Os cubanos podem escolher
viajar para onde bem entender, e a partir de 2013, podem fazer isto sem pedirem
permissão ao governo. Mas também é importante destacar que, vivendo no Brasil,
também necessitamos permissões para viajar para fora, principalmente para os
EUA, que têm uma política imigratória bem restrita para os países em
desenvolvimento ou periféricos e, além disso, quando saímos de nosso país,
devemos informar os motivos pelos quais estamos viajando e regressar após este período.
Para o caso de Cuba, fica um pouco mais dramático pelo fato de se tratar de uma
ilha, e os transportes serem relativamente mais caros do que atravessar a
fronteira entre Brasil e Argentina, por exemplo. [18]
Faço também o convite a conhecer os livros indicados
[*] nas referências que serviram de base para este texto, além das demais referências.
Referências
[1] Pérez, Cuba: Between Reform and Revolution, p. 192
[2] Pérez, Cuba: Between Reform and Revolution, p. 275
[3] Ayerbe, Luis Fernando - A revolução Cubana
[4] Chomsky, Aviva – História da Revolução Cubana, p. 38-40 [*]
[5] Brunendius, Revolutionary Cuba, p. 14
[6] Ayerbe, Luis Fernando - A revolução Cubana, p. 68 [*]
[7] Benjamin, Collings, e Scott, No Free Lunch, p. 17
[8] Feinsilver, Healing the Masses, p.32
[9] Dominguez, Cuba: Order and Revolution, p. 202
[10] https://www.dhs.gov/xlibrary/assets/statistics/yearbook/2008/ois_yb_2008.pdf
[11] Masud-Piloto, From Welcomed Exiles to Illegal Immigrants, p. 80-3
[12] Blanco, Talking About Revolution, p. 65
[13] Azcuy, Democracia y derechos humanos, p. 47
[14] Valdez, Democracia y Sistema Político, p. 56
[15] Valdez, Democracia y Sistema Político, p. 48-9
[16] Azcuy, Estado y Sociedade Civil em Cuba, p. 107
[17] https://www.brasildefato.com.br/2018/03/13/composicao-da-assembleia-nacional-de-cuba-e-uma-das-mais-democraticas-do-continente/
[18] https://www.cartacapital.com.br/internacional/cubanos-poderao-viajar-ao-exterior-sem-pedir-autorizacao-ao-governo
[2] Pérez, Cuba: Between Reform and Revolution, p. 275
[3] Ayerbe, Luis Fernando - A revolução Cubana
[4] Chomsky, Aviva – História da Revolução Cubana, p. 38-40 [*]
[5] Brunendius, Revolutionary Cuba, p. 14
[6] Ayerbe, Luis Fernando - A revolução Cubana, p. 68 [*]
[7] Benjamin, Collings, e Scott, No Free Lunch, p. 17
[8] Feinsilver, Healing the Masses, p.32
[9] Dominguez, Cuba: Order and Revolution, p. 202
[10] https://www.dhs.gov/xlibrary/assets/statistics/yearbook/2008/ois_yb_2008.pdf
[11] Masud-Piloto, From Welcomed Exiles to Illegal Immigrants, p. 80-3
[12] Blanco, Talking About Revolution, p. 65
[13] Azcuy, Democracia y derechos humanos, p. 47
[14] Valdez, Democracia y Sistema Político, p. 56
[15] Valdez, Democracia y Sistema Político, p. 48-9
[16] Azcuy, Estado y Sociedade Civil em Cuba, p. 107
[17] https://www.brasildefato.com.br/2018/03/13/composicao-da-assembleia-nacional-de-cuba-e-uma-das-mais-democraticas-do-continente/
[18] https://www.cartacapital.com.br/internacional/cubanos-poderao-viajar-ao-exterior-sem-pedir-autorizacao-ao-governo
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