Texto Original de: www.notesfrombelow.org
Prefácio
Nós
republicamos aqui um artigo que apareceu na revista operária italiana Primo
Maggio em 1981. Ele foi escrito no contexto do desaparecimento da antiga
composição de classe do "trabalhador de massa", que empurrou a teoria operaísta para a crise. Enquanto Battaggia lida principalmente com a teoria
de Toni Negri de "Trabalhadores social", os problemas colocados neste
artigo permanecem questões ardentes até hoje. Quais são as dificuldades da
teoria da composição de classes após o fim da produção fordista de massa?
Nota: Operaísmo (“operaism”), também conhecido por “marxismo autonomista”, se refere a uma corrente política e teórica do pensamento marxista que surgiu na Itália no começo dos anos 1960
Nota: Operaísmo (“operaism”), também conhecido por “marxismo autonomista”, se refere a uma corrente política e teórica do pensamento marxista que surgiu na Itália no começo dos anos 1960
Trabalhadores de Massa e Trabalhadores sociais: reflexões sobre a "nova composição de classe"
Alberto
Battaggia
Primo
Maggio 14, Inverno de 1981
A
noção de uma “nova composição de classe” deriva do terreno conceitual do operaísmo [operaismo]. Mas até que ponto as premissas analíticas do operaísmo “clássico” são as mesmas do “neo-operaísmo”? Até que ponto o esquema
conceitual que descobriu a composição técnica e política do trabalhador de
massa é análogo à base teórica da nova composição de classe do trabalhador
social [ópera sociale]? Os debates contínuos e acalorados sobre essa questão
sugerem que algo está diferente; algo deve ter mudado entre as novas teorias e
a estrutura clara e formal do discurso operário. Parece que certos conceitos se
referem a diferentes conteúdos, enquanto as premissas metodológicas atuais são
diferentes.
Acredito
que o objetivo fundamental da pesquisa operaísta - a razão de seus resultados
e resultados políticos - consistiu na recuperação de uma metodologia crítica
marxiana rigorosamente histórica. Foi uma formulação segundo a qual a crítica
da economia política e a crítica da política devem ocorrer através de uma série
de categorias e ferramentas conceituais estritamente relacionadas à dinâmica
histórica da luta de classes. Em outras palavras, seu significado e seu valor
heurístico dependem das características particulares da realidade a que se
referem.
Considere
a recusa em usar uma noção geral e indistinta de “a classe trabalhadora” e a
introdução do conceito de “composição de classe”: eles expressaram a
necessidade de adotar ferramentas analíticas flexíveis e significativas. Nós,
portanto, não vemos mais o “trabalhador”, o “Estado”, o “partido”, etc., mas
sim a “figura operária”, a “forma-estado”, a “forma-partido” e assim em diante.
Estas eram uma série de abstrações específicas, historicamente específicas,
dotadas de significados e implicações particulares, mesmo que se referissem à
mesma realidade capitalista genérica. A classe trabalhadora e o capital,
portanto, assumiram formas originais, dependendo do arranjo histórico
particular de sua relação mútua.
A
premissa materialista é um elemento crucial do pensamento operaísta. Permitiu
a reconstrução de uma sucessão de figuras de classe na história da relação de
classes. O escopo da análise era o vínculo entre os corpos e os instrumentos de
trabalho, entre as perspectivas e os comportamentos dos trabalhadores e a forma
de produção. Entre subjetividade e objetividade. Isso mostrou que os
comportamentos políticos, formas e necessidades expressas pela luta de classes
são materialmente moldados pela relação objetiva entre trabalho e capital.
Assim, enquanto o trabalhador profissional - confrontado com uma subsunção
meramente formal de seu trabalho pelo capital - lutou para reapropriar os meios
de produção e autogerenciar a fábrica, o trabalhador de massa luta diretamente
contra a materialidade do capital, seu modo técnico de ser, expressando agora
uma subsunção real do trabalho. De acordo com essa formulação, o processo
revolucionário é influenciado pela figura de classe que tende a dominar a
organização capitalista do trabalho. A composição da classe técnica especifica
aquela seção da classe trabalhadora na qual o capital baseia sua acumulação,
enquanto a composição da classe política especifica as características
materialmente determinadas do antagonismo de classe.
Se
isto, em suas características essenciais, é a matriz teórica do discurso operaísta - se os sucessos do operaísmo “clássico” dependiam do reconhecimento da
eficácia revolucionária da crítica materialista e da base histórica rigorosa de
suas categorias - então a nova noção de classe composição deve ser avaliada nas
mesmas premissas. Em particular, devemos verificar se ela é caracterizada por
esses mesmos elementos que definiram o trabalhador de massa: uma relação
objetiva com a forma de produção e uma resultante homogeneidade de
comportamentos e objetivos políticos. Naturalmente, não pretendo articular
todas as teorizações particulares da nova composição de classes. Limitarei-me a
isolar os conceitos mais recorrentes que fundamentam essa teoria. Além da
citação ocasional, vou me concentrar principalmente na entrevista sobre o operaísmo com Toni Negri [1]. Não porque eu queira imputar a Negri a
definitiva sistematização teórica da nova composição de classes, mas porque seu
texto expressa a complexidade e a dificuldade da teoria do trabalhador social.
A “história” do trabalhador social
Diz-se
que o trabalhador social é fruto do colossal projeto de reestruturação
empreendido pelo capital para retomar o processo de acumulação, depois de ter
sido interrompido pelas lutas do trabalhador de massas de 69 a 72. Tal
reestruturação é vista como uma nova estratégia de acumulação, juntamente com a
redefinição do papel do Estado como garantidor da autovalorização capitalista.
Podemos resumir quatro instrumentos concretos desse processo: a
descentralização da produção, o mecanismo inflacionário, a reorientação do
gasto público e o sistema partidário.
Produção Descentralizada
A
descentralização da produção, a chamada “economia submersa”, não é um fenômeno
qualitativamente original na extorsão da mais-valia. Ao recorrer a unidades de
produção de pequeno e médio porte, o capital teria retomado a exploração do
trabalho assalariado em sua forma tradicional, ao mesmo tempo em que quebraria
a frente compacta representada pelo trabalhador de massa. As margens de
flexibilidade na gestão das pequenas empresas são realmente maiores do que as
das grandes fábricas, enquanto o uso de uma força de trabalho jovem, muitas
vezes feminina, com baixos níveis de sindicalização e politização, movia o equilíbrio
de poder a favor capital. O emprego de tempo parcial, sazonal e não declarado
[lavoro nero], organizado com novas técnicas de produção socializada, permite
maiores margens de lucro.
Mas,
como todas as operações do capital, a descentralização traz consigo uma
contradição. A difusão de seções da classe em todo o território também teria
difundido o antagonismo acumulado do ciclo anterior de luta. Argumenta-se que a
desconcentração da classe trabalhadora não veio com a redução esperada do conflito.
Vice-versa: a herança política do trabalhador de massa, coletada por esses
novos segmentos da classe, teria sido propagada para aquelas seções do
proletariado que não estavam diretamente envolvidas nas relações imediatas de
produção.
A
figura de classe atual é, portanto, “social” porque, em primeiro lugar, está
ligada à decomposição da classe em todo o território. O trabalho é socializado
em um sentido "físico".
A “subsunção da circulação pela
produção”
Mas
o salto qualitativo real para a socialização do trabalho produtivo - a mudança
do trabalho produtivo, do trabalho fabril para o trabalho social em geral - é
argumentado como tendo sido alcançado através de uma mistura dos vários
momentos da economia capitalista, particularmente através da “subsunção de circulação
por produção ”. Diz-se que a manobra inflacionária e a reorientação do gasto
público são os agentes dessa operação. Deve-se afirmar que o nível de
compreensão do problema da inflação ainda é insuficiente. No entanto, algumas
tentativas interessantes foram feitas para analisar como a inflação estabeleceu
uma nova relação entre dinheiro e valor. Já mencionamos o bloqueio da
acumulação imposto pelas lutas do trabalhador de massas: a luta salarial elevou
o preço da força de trabalho ao ponto de igualar o valor das commodities que
produz. Isso significava que essas commodities não mais continham mais-valia.
Para resolver esta situação, o capital teria subsumido o momento de circulação
em produção, transformando-o no momento constitutivo da mais-valia.
Para
entender esse mecanismo, sigamos rapidamente o esquema marxiano de valorização.
O capital paga a força de trabalho pelo seu valor, igual ao preço dos meios
necessários à sua reprodução. Mas o valor que a força de trabalho é capaz de
criar é maior do que seu próprio valor: dentro das mercadorias, há, portanto,
uma porção de valor que representa o valor da força de trabalho e outra que é
mais-valia. O mercado está limitado à “realização” desse valor, sua
monetização. Por outro lado, na situação atual, as commodities chegam ao
mercado sem mais-valia. Mas a inflação permite a criação de uma margem
monetária artificial entre o valor real das commodities e o valor que elas
assumem, monetariamente, no mercado. É, portanto, capaz de desvalorizar
constantemente a força de trabalho, a posteriori. O caráter constante da
inflação é claramente crucial para uma cooperação bem-sucedida, pois, caso
contrário, as demandas salariais trariam esse jogo de valor à sua posição
inicial. “Os lucros que não se baseiam em processos de valorização material,
mas mais simplesmente na expansão monetária da riqueza abstrata, não são
capazes de sedimentar, uma vez que são periodicamente engolidos pelo ajuste de
custos. A espiral preço-custo-preço é, portanto, capaz de criar margens consistentes
de lucro monetário, apenas para apagá-las em cada instante sucessivo e
recriá-las de forma análoga e igualmente temporária ”.[2]
Em
resumo: da lei do valor à teoria quantitativa do dinheiro. Um mecanismo
sofisticado e eficaz. Tanto na medida em que permitiu a recuperação do processo
de valorização, como também para a sua política preventiva anti-operária. A
inflação de dois dígitos esvazia a luta salarial de seu conteúdo subversivo,
transformando o que antes era um agente desestabilizador de todo o sistema
industrial - uma variável independente do contrapoder da classe trabalhadora -
em um mero instrumento de defesa do poder de compra.
O papel do Estado
O
entrelaçamento da organização estatal e este complexo modelo de acumulação
ocorre em vários níveis. Em relação à descentralização da produção, devemos
notar como, paralelamente à decomposição da classe em todo o território, a
classe trabalhadora central foi congelada politicamente pela intervenção do
sindicato e dos partidos, que fundaram seu projeto de social-democratização do movimento
dos trabalhadores italianos na destruição da composição da classe anterior.
Quanto ao mecanismo inflacionário, a organização do crédito e a gestão da
despesa pública desempenharam um papel crucial. O crédito tornou-se a única
fonte de financiamento para as empresas, enquanto a despesa pública
inflacionária - outrora simplesmente uma ferramenta para a fabricação
clientelista do consentimento e a criação keynesiana da demanda efetiva - agora
funciona cada vez mais como um distribuidor de riqueza abstrata finalizada para
a “criação” de mais-valia (não apenas a sua “realização”). Argumenta-se,
portanto, que o processo inflacionário resulta da política de preços das
empresas, bem como da circulação de massas crescentes de dinheiro direcionadas
ao apoio da acumulação (crédito) e da demanda como “valorização” (gastos
públicos).
Tudo
isso se caracteriza por um fato saliente: a inversão completa das políticas
econômicas tradicionais anti-classe operária. Se os ciclos de luta foram
atacados com as políticas deflacionárias clássicas tendendo à contração do
emprego e à incisão direta no salário, agora o restabelecimento das margens de
lucro ocorre através do contínuo recesso da crise no futuro. Mas essa
estratégia ousada também veio com intensas contradições. A suavização da crise
de valorização da fábrica em todos os setores não-industriais do proletariado
implicava uma recomposição de classe no terreno social. O antagonismo radical
do trabalhador de massa, o objeto do ataque do capital, estava espalhado por
todo o território. E como todo o aparato institucional - os partidos em
primeiro lugar e acima de tudo - convergiam para proteger essa manobra, a
sociedade teria se desmascarado como a sociedade do capital, fazendo com que o
antagonismo social se voltasse contra todas as suas expressões.
A formulação de Toni Negri
Neste
ponto, o pensamento de Negri merece ser considerado. Para ele, o fenômeno da
“subsunção de circulação pelo momento da produção” era o agente fundamental
para a formação de uma nova composição de classe (mas não o único agente, como
veremos). Ele analisa esse fenômeno em termos diferentes daqueles que
expusemos, embora a mais-valia e a valorização não estejam faltando. “Quando
dizemos trabalhador social, estamos fundamentalmente dizendo, com extrema
precisão, que a mais-valia é extraída desse sujeito. Quando falamos de trabalhador
social, falamos de um trabalhador que é produtivo e, quando dizemos que ele é
produtivo, queremos dizer que ele é produtivo de mais-valia, seja imediatamente
ou via mediação”. [3]
Mas
ele parece se concentrar mais nas características de comando assumidas pelos
gastos públicos, na funcionalização política da oferta de renda de acordo com
as necessidades da reprodução social da relação de capital, do que em quaisquer
novos processos de criação de mais-valia. Ele diz: “Consequentemente,
levantamos a hipótese de que o gasto público, por um lado, representa a nova
dimensão da relação do capital à reprodução social, enquanto por outro produz
dentro de si critérios de hierarquização, de funcionalização total dos sujeitos
ao projeto de reprodução de classes de acordo com esquemas hierárquicos. Em
suma: daquela desigualdade efetiva que a despesa pública deve, em termos de
comando, produzir ” [4]. Mas na medida em que “capital e sua forma de Estado”,
conseguem “continuamente prefigurar os passos da circulação como elementos
fundamentais de sua permanência, de sua reprodução” e transformar “para esse
fim todos os custos de circulação em custos de produção”, eles se expõem “enormemente
ao contra-ataque proletário” [5]. Assim que a despesa pública foi transformada
em uma forma salarial de comando, foi desencadeado o antagonismo proletário que
até agora - para o bem ou para o mal - estava confinado à fábrica, libertando-o
no plano da reprodução social.
Negri
indica mais dois agentes de recomposição de classe, que transformam a sociedade
em uma fábrica [fabrichizzazione della società]. Ele parece fazer uma alusão
passageira à descentralização da produção: “Nós nos encontramos diante de uma
massa de força de trabalho com taxas muito altas de exploração e salários muito
baixos. Isso significa que a desvalorização da força de trabalho, de seu custo,
que não era possível em certos setores avançados da classe operária, é revertida
para outros setores da classe” [6]. Mas há outro elemento que ele considera
absolutamente fundamental, o processo de abstração do trabalho social: “Uma das
coisas que nos impressionou nesses últimos anos foi que o comportamento de,
digamos, trabalhadores bancários, parecia cada vez mais o comportamento de
trabalhadores de fábricas [l'operaizzazione dei comportamenti]. Então, se você
fosse ver como as coisas estavam, você descobriria que esses comportamentos
[comportamenti operaistici] estavam completamente ligados à estrutura do
processo de trabalho desses trabalhadores bancários. Eles se tornaram
trabalhadores da calculadora, assim como muitos trabalhadores químicos que se
tornaram operadores dentro de um ciclo produtivo ” [7].
E
mais: "A tese fundamental sobre a qual toda a teoria do operaísmo é
construída é a abstração sucessiva do trabalho que corre paralelamente à sua
socialização" [8]. Desta forma, a nova composição de classes enriquece-se
de uma motivação puramente materialista: rebelião contra
des-profissionalização, contra a transformação dos seres humanos em coisas…
[trasformazione dell'uomo in cosalità]
O que faz uma composição de classe?
Vamos
rearticular. A nova composição de classes acaba por ser definida pelos
seguintes elementos: o caráter disseminado do trabalho em pequenas fábricas em
todo o território, a relação de valor assumida por qualquer renda proletária em
relação à acumulação capitalista, a forma salarial de comando assumida pela
despesa pública e o processo de abstração do trabalho social. Essas análises
não são sem o seu charme; mas vamos confrontar essa gênese histórico-política
do trabalhador social com a do trabalhador de massa.
A
composição de classe do trabalhador de massa constituía o que no campo da
estatística é chamado de “população”, isto é, a dimensão básica da observação
científica: um conjunto de unidades homogêneas definidas por uma
“característica” particular. No nosso caso, uma parte da força de trabalho
tornou-se materialmente homogênea por uma relação particular com a tecnologia
capitalista (a linha de montagem) e um consequente comportamento político: a
demanda por salários como renda, a recusa do trabalho e a sabotagem. Foi
justamente essa homogeneidade que permitiu à classe operária do Outono Quente
tornar-se uma “composição de classe”, impulsionar o processo revolucionário,
impor suas lutas à sociedade e forçar uma revisão profunda do aparato teórico
tradicional da luta de classes. Tudo
isso foi possível graças à poderosa ligação entre um fato objetivo (condições
materiais de exploração) e um subjetivo (comportamento político). O trabalhador
de massa era uma seção da classe que poderia ser reconhecida com extrema precisão,
que poderia ser exatamente quantificada e a partir da qual objetivos políticos
direcionados poderiam ser identificados com relativa rapidez.
Em
contraste, como é formulada atualmente, a nova composição de classes não parece
ser retida internamente por tal homogeneidade material. Seus componentes
físicos não parecem estar ligados, seja por condições materiais de exploração
ou por objetivos políticos imediatos. Contém uma pluralidade de segmentos de
classe muitas vezes muito distantes um do outro: operários descentralizados,
proletários jovens desempregados, habitantes de bairros marginalizados, donas
de casa, mulheres, estudantes sem teto, intelectuais subempregados... Em outras
palavras: sujeitos com motivações imediatas completamente autônomas. Pode-se argumentar que a homogeneidade é dada por sua
relação comum com o processo de valorização. Essa objeção pode ser
irrepreensível no plano formal da crítica da economia política, mas é fraca na
planície substancial da crítica da política, ou seja, da organização política
revolucionária do antagonismo. O termo “composição
de classe” não deve se limitar à descrição dos modos de ser da classe
trabalhadora, mas também deve localizar aqueles elementos cruciais da luta
política que unem seus componentes: aquelas lutas que, no caso do trabalhador
de massas, giravam em torno da conjunção entre as motivações imediatas do
antagonismo (a luta contra a máquina) e as mais gerais e históricas (a negação
do modo de produção capitalista).
As
análises do trabalhador social, ou pelo menos da nova composição de classe,
parecem expressar o lado descritivo da noção de “composição de classe” e não o
lado ativo e político. Eles ilustram o modo como o capital funciona mais do que
a maneira de atacá-lo. O fato de a composição política do trabalhador de massas
ser determinada por relações materiais de produção, enquanto a do trabalhador
social por relações abstratas de valor, estabelece uma diferença substancial.
Porque neste aspecto a renda - como demanda efetiva, como instrumento da
transformação monetária das mercadorias, como dinheiro - sempre estabeleceu uma
relação entre a valorização capitalista e a sociedade proletária como um todo.
Nesse sentido, o trabalhador social sempre existiu.
A abstração do trabalho
Não
sei se Negri percebeu essa descontinuidade estrutural entre a articulação
anterior do discurso operaísta e a atual; mas é significativo que ele tenha
introduzido a abstração do trabalho social, um fato estritamente material, como
um elemento fundamental da recomposição de classe. De fato, se pudéssemos
sustentar que o conflito social moderno é essencialmente motivado pela
subsunção real não apenas do trabalho fabril, mas do trabalho em geral, então o
círculo neocapitalista seria perfeitamente completo. Os trabalhadores sociais,
como os trabalhadores de massas, apresentariam uma homogeneidade compacta em
suas condições de exploração e em seu conteúdo político, que visaria, em
essência, a superação do modo de produção social-capitalista. O uso análogo do esquema operaísta anterior seria
absolutamente justificado. Mas tudo isso não pode ser mantido. Precisamente
onde Negri diz que “somos incapazes de traduzir as determinações pessoais e
individuais de comportamentos na dimensão do planejamento político [progettazione
politica]” [9] e que exigimos “uma crítica da política capaz de identificar formas
políticas, isto é, formas gerais, para a expressão desse antagonismo...”, [10]
ele mesmo remove imediatamente a consistência de uma hipótese motivacional
desse tipo. Ele indiretamente confirma
que a vivacidade, a extensão, a riqueza de conteúdos do antagonismo social
moderno reside precisamente na grande especificidade e autonomia de seus
protagonistas, em sua imediação articulada e material.
É
claro que a tendência para a abstração do trabalho é um fato incontestável, mas
é indiscutível precisamente por sua evidente obviedade. Um pouco como o
processo de proletarização das classes médias [ceti medi]: é um fato que a
vasta maioria da sociedade, não possuindo seus próprios meios de produção, é
compelida a vender seu próprio manual ou mão-de-obra intelectual para o
mercado. Esses são fatos que constituem um pano de fundo histórico que somos
implicitamente forçados a considerar em qualquer análise histórica, mas que
oferecem muito pouco em direção a uma hipótese imediata para o trabalho
político. Pode ser verdade que tenha
havido uma generalização da indiferença em relação ao conteúdo profissional de,
digamos, trabalho de escritório, mas o desenvolvimento da militância política
da classe trabalhadora no setor de serviços tem mais a ver com a perda de
direitos sociais. e o prestígio econômico das classes [ceti] empregadas nesses
setores do que a introdução desumanizadora de máquinas (informática) na
organização deste trabalho. Propor um paralelo entre "linha de montagem é
igual a recusa de trabalho assalariado" logo "abstração de trabalho
social igual recusa de trabalho em geral" parece, pelo menos por enquanto,
um argumento obviamente forçado.
Em
última análise, seja qual for o aspecto que enfatizemos para dar forma à teoria
da “nova composição de classe”, a teoria é incapaz, precisamente por causa de
seu caráter tendencialmente totalizante, de unir as situações de classe
contraditórias e centrífugas que vemos hoje. Sejamos claros: essas análises
apresentam pistas importantes para a pesquisa científica. Eles são muito menos
convincentes, no entanto, se pretendem condensar-se numa teorização unívoca do
conflito de classes. Desejar agredir o
antagonismo social contemporâneo com tal noção - isto é, com uma categoria que
deveria expressar, com imediatismo linear, um projeto político bem definido -
significa achatar uma realidade de classe que encontra sua razão de ser em sua
variedade, em sua diferenciada expansão. A composição de classe do trabalhador
de massa especificava um campo referencial extremamente circunscrito: uma seção
específica da classe, encontrada em um lugar específico, identificada de
maneira precisa. A composição de classe do trabalhador social se parece mais
com uma série de fenômenos sociais que, de fora, foram imputados a um programa
político revolucionário que eles mesmos não apresentam, se não de uma forma
muito genérica.
Subjetivismo: pecado original do operaísmo?
Quando
o esquema de interpretação operaísta (conceitualmente confinado ao cenário de
fábrica [territorio fabbrichistico]) é expandido para incluir o “social”, ele
inevitavelmente perde sua conotação mais característica: o laço estrito entre
subjetividade e objetividade, entre modo de produção e modo de rebelião. E o
elo marxiano cristalino entre a base e a superestrutura cede seu lugar a um
fundamento forçosamente subjetivo para o antagonismo proletário. Junto com a
fábrica, ela perde a possibilidade de basear dialeticamente seu lado
“voluntarista” em uma base material tranqüilizadora e precisa: a organização do
trabalho e a luta contra ele.
Ao
contrário das afirmações de Costanzo Preve (Dopo l’operaismo, em “Alfabeta”
15-16, 1980), o subjetivismo não é um elemento fundamental do discurso
operário, mas apenas a conseqüência de seu deslocamento para um escopo histórico
inadequado. Preve descreve a coerência interna do operaísmo inicial nestes
termos: “A relação social marxiana de produção foi absorvida pela atividade
fundadora e infundada do sujeito [...] e consequentemente o objeto […] veio a
perder qualquer legitimidade dada por sua forma de valor. Isso levaria à
“concentração de todos os aspectos 'ontológicos' da práxis na atividade do
sujeito”. Parece-me que Preve atribui a ontem o que ele deve atribuir aos dias
atuais. Se alguma vez houve uma corrente de pensamento tão interessada e
concentrada no lado “objetivo” da realidade, é precisamente o operaísmo.
Tanto que a própria noção de subjetividade tendeu a ser vista como a tradução
mecânica das determinações objetivas da existência para o nível de consciência;
como se uma energia física e psíquica fosse sugada da máquina e se virasse
contra ela. A “composição de classes”,
além de ser uma categoria política, foi em primeiro lugar um fato
comportamental ligado objetivamente às técnicas de produção da fábrica
capitalista. E foi precisamente essa adesão à materialidade de exploração
historicamente específica que protegeu a teorização política do antagonismo dos
riscos da ideologia, isto é, a atribuição arbitrária e externa de um
“significado” às lutas que não está ligado aos seus conteúdos imediatos. Tanto
pela “atividade infundada do sujeito”! As “reviravoltas subjetivistas” não
estão implícitas no paradigma teórico operaísta. Longe disso. Se algo disso
aconteceu mais tarde, na história recente do operaísmo. A noção de um caminho
irreversível rumo a uma divisão total entre o proletariado social e a sociedade
capitalista levou à crença de que a análise da "forma específica de valor
do objeto" [forma di valore dell'oggetto] não é mais crucial para a teoria
revolucionária.
O
eixo teórico foi tão longe para o lado do sujeito que o verdadeiro referente do
antagonismo, a sociedade fabril, era visto como uma compulsão genérica ao
trabalho assalariado. A unidade dialética precedente entre a forma de relação
de capital e a forma de resistência da classe trabalhadora foi, portanto,
quebrada, em favor de uma separação entre a subjetividade revolucionária e o
conteúdo concreto das relações capitalistas de produção. É nesse plano, nessa
ruptura, que a autonomia do político e a autovalorização do assistente social
podem, de alguma forma, ser agrupadas. Mas a “ilusão teórica de construir uma
teoria materialista de formas políticas a partir do nível de circulação” não
depende de um voluntarismo exasperado originário do operariado, mas da
dificuldade de decantar a ordem do discurso do contexto referencial a que
pertenceu (a fábrica) a outro (sociedade).
A teoria da precariedade
Uma
crítica muito interessante e linear (quase pragmática) do subjetivismo neo-operaísta vem do Centro Sabot em Nápoles. [11] De acordo com o coletivo Sabot, os
neo-operaístas (principalmente Piperno) confundiram uma “nova composição de
classe” com o que de fato é a forma atual do exército de reserva industrial. O
fenómeno do trabalho a tempo parcial, em domicílio, não declarado [nero],
informal, precário e sazonal, e a mobilidade relativamente elevada da força de
trabalho “não garantida” - longe de representar uma nova subjectividade
anticapitalista que recusa a forma clássica de comando (a fábrica, mas também o
emprego fixo), e longe de expressar uma vontade revolucionária de autogerenciar
o próprio tempo de trabalho - seria o aspecto renovado do desemprego, como é
expresso na atual fase de dominação capitalista. Todo
o triunfalismo que vem com o tema da recusa do trabalho é drasticamente
reorientado; e o otimismo de Piperno sobre a autogestão proletária do “como” e
“quando” trabalhar é acusado de refletir as teorizações neoclássicas (De Meo)
sobre a liberdade dos indivíduos no mercado de trabalho de escolher sua forma
de emprego. Em outras palavras, é acusado de ser um discurso profundamente
ideológico e objetivamente pró-burguês.
O
Centro Sabot faz seus argumentos com referência às características do mercado
de trabalho italiano; este não é o lugar para discutir um problema tão
complexo, embora seja verdade que a noção de “exército de reserva industrial” e
a análise das formas do mercado de trabalho têm sido estranhamente deixadas
fora do horizonte analítico do operaísmo tardio e seria interessante
recuperar a discussão deles. O que é relevante, no entanto, é que a
possibilidade de se expor a ataques tão ridiculamente devastadores demonstra,
no mínimo, a fragilidade teórica da redução das lutas proletárias em todo o
território a um conteúdo revolucionário único e coeso. É claro que a reestruturação capitalista não é invenção
de Piperno. Sem dúvida, redefiniu o conflito de classes na Itália e desencadeou
novas formas de comportamento da classe trabalhadora. No entanto, sempre existe
o perigo de generalizar aspectos parciais e locais da luta de classes,
projetando-os à força numa nova época indefinida de relações capitalistas de
produção, que ainda aguarda uma verificação empírica completa.
Além do operaísmo?
Já
na décima primeira edição do “Primo Maggio” (Do novo jeito de fazer carros à
autovalorização), Guido De Masi havia se deparado com as sérias dificuldades
apresentadas pela aplicação do esquema operaísta às lutas desse período.
Examinando a noção de “auto-valorização” de Negrian, ele enfatizou que “tende a
substituir a teoria da recomposição de classe, dando unidade linguística a
fragmentos contraditórios [...] Em termos políticos isso significa que as
várias lutas e situações sociais (todas muito interessantes precisamente porque
são tão diferentes uns dos outros) que deram forma à teoria da autovalorização
falta de conexão entre si. Eles não representam um salto qualitativo em relação
à recomposição de classe, mas sua desintegração, ponto final!”. De Masi podia ver claramente que a teoria da
auto-valorização era uma ferramenta muito elegante para sintetizar uma
pluralidade de comportamentos sociais, mas que, precisamente por seu excessivo
aspecto sintetizador, os achatava, negando sua especificidade. Também é
significativo que De Masi concordasse substancialmente com outras análises em
seu reconhecimento de uma ligação genética entre a “nova maneira de produzir
dinheiro” e o esmagamento da composição de classe do trabalhador de massa, mas
foi cauteloso ao inferir automaticamente um movimento paralelo de recomposição
das classes. Para ele, de fato, “o verdadeiro limite ideológico do movimento de
77” era “no pequeno tamanho e na marginalidade do sujeito social que o constituía”.
As
reflexões de Lapo Berti sobre o conteúdo do “poder proletário” publicado na
mesma edição de “Primo Maggio” (Para o coração do estado e vice-versa)
confirmaram todos os perigos de uma aplicação externa forçada da categoria
“composição de classe” à forma presente de conflito social. Berti perguntou se
as experiências políticas destes últimos anos haviam mostrado que a noção de
“poder proletário” havia se transformado em conteúdo com respeito ao modelo
leninista e (3º) internacionalista recuperado e perpetuado pelas Brigadas
Vermelhas. Ele respondeu argumentando pela “natureza política imanente do poder
proletário”, no sentido de que a política, a busca pelo poder, não mais se
expressava como uma marcha temporal e geográfica para o “lugar de poder”, para
a “sala de guerra”. [stanza dei bottoni]. O
objetivo não era mais uma mera mudança simbólica [cambiamento di segno] do
aparato institucional, mas a opção “em favor de uma visão do processo de
conflito como a continuidade e permanência do antagonismo proletário, que
redimensiona incessantemente o terreno da luta, as relações de poder entre
classes empurram o conteúdo de sua própria presença política, condicionando e
remodelando a configuração total das relações capitalistas de produção ”. Poderíamos
ir ainda mais longe e perguntar se não foram precisamente as lutas do
trabalhador de massas que descobriram essa dimensão concreta da microfísica do
poder.
Mas
vamos retornar ao problema inicial. Não queremos simplesmente negar a validade
dessas análises; Queremos esclarecer se é possível agrupar certos fenômenos
sociais em certas categorias. Para ver se a noção de “composição de classe” não
é apenas capaz de descrever detalhadamente o complexo e contraditório processo
de reestruturação capitalista, mas também encontrar nela um projeto político
completo e determinado, caracterizado por elementos precisos que reunificam
toda o movimento de classe sob uma única política revolucionária. Se a nossa
resposta for negativa, se considerarmos um relançamento análogo do discurso do
trabalhador inaceitável, então dois caminhos podem ser tomados: ou ignorar a
realidade e confirmar a teoria, ou ignorar a teoria e confirmar a realidade. Ou
seja: ou concluem que a luta de classes parou na Itália em 1972; ou aperfeiçoar
nossas ferramentas, categorias e metodologia críticas.
Este
último e árduo caminho é confirmado pela própria intervenção de De Masi na
última edição da revista. Em vez de retomar e desenvolver as observações
lúcidas feitas no artigo acima citado, ele chama não por uma redefinição das
armas de crítica tanto quanto “uma restauração da lei do valor, em termos
estritamente produtivos, que devolve vigor e centralidade política para a
classe trabalhadora, consentindo-a partir com maior conhecimento de seus erros passados
”.[12] Em suma, De Masi pede que a derrota desses anos se torne completa, que a
economia volte a funcionar como Deus pretendia, que a lei do valor se reimponha
sobre a teoria quantitativa do dinheiro, que a mais-valia seja extraída , para
que a circulação retorne ao seu papel de realização monetária da mais-valia e,
assim, para o trabalhador de massa recuar mais uma vez das fábricas, dando as
ordens para todo o movimento. Talvez tudo isso
aconteça (certamente não em breve); mas então a tarefa política de “toda a
esquerda revolucionária” não é mais aquela de “preencher o vazio entre a composição
da classe técnica [...] e os novos fenômenos de autovalorização emergindo do
movimento” [13], mas esperar pacientemente pelas “leis de economia política” para
trazer a composição política da classe para coincidir com a composição técnica.
Deste modo, depois de um interlúdio embaraçoso que já dura dez anos, a luta de
classes recomeçará em toda a sua límpida eficácia...
Eu
não sei, mas temo que haja algo fatalista nessa atitude, um fatalismo que é
usado para deslizar sobre a situação atual de dificuldade teórica.
Se,
em vez disso, o conflito de classes ocorrer nos próximos anos de forma mais
“social”, difusa, policêntrica, concentrada em objetivos imediatos autônomos e
liderada por várias seções de proletários em luta, então, no mínimo, seria útil
introduzir algumas categorias que se diferenciam das antigas, de modo a evitar
o entrelaçamento (e a confusão) de categorias pertencentes a diferentes fases
da relação de capital. A esse respeito, o convite de Lapo Berti para usar uma
noção mais “fluida” de composição de classes, localizada “no contexto mais
amplo da composição social” [14] parece trair uma intenção ambígua: a ampliação
do campo semântico do termo em paralelo à extensão da conflitualidade a que se
refere. Uma tentativa com resultados
altamente incertos, pois nesta passagem da “classe” para o “social” o próprio
termo tende menos a definir um projeto político preciso, e mais um universo
sociológico indeterminado. Assim, muda de significado. No entanto, os convites
de Berti são inegavelmente estimulantes, até porque se recusam a forçar a
“nova” ordem das coisas a coincidir com a “velha” ordem do discurso.
A
melhor maneira de defender o operaísmo hoje é superá-lo, reconhecendo a
eficácia interpretativa de suas idéias, mas sem hesitar em examinar
criticamente seus limites cronológicos e contextuais.
REFERÊNCIAS
- A.
Negri, Dall’operaio massa all’operaio sociale. Multhipla
Editori, Milan, 1979.
- M. Messori and M. Revelli. Centralità
operaia. In La tribu delle talpe. Feltrinelli,
Milan, 1978, p. 48.
- A
Negri, Ibid., p. 10
- Ibid, p.
157.
- Ibid, p.
149.
- Ibid, p.
21.
- Ibid, p.
10.
- Ibid, p.
11.
- Ibid, p.
151.
- Ibid, p.
151.
- Sul
mercato del lavoro: difficoltà della talpa. In Materiali
di studio a cura del centro Sabot - Napoli. 1979.
- G.
De Masi. Composizione di classe e progetto politico. In “Primo
Maggio” n. 13, p. 7.
- G.
De Masi. Dal nuovo modo di fare l’automobile
all’autovalorizzazione. In “Primo Maggio” n. 11, p. 37.
- L. Berti. Note per un dibattito
possibile, unpublished text circulated within the “Primo Maggio”
group.
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