A anarquia funciona: Economia - Estado Alterado

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terça-feira, 16 de abril de 2019

A anarquia funciona: Economia


O anarquismo opõe-se ao capitalismo e à propriedade privada de instrumentos, infraestrutura e recursos que as pessoas precisam para o seu sustento. Modelos econômicos anarquistas vão desde comunidades caçadoras-coletoras e comunas agrícolas até complexos industriais nos quais o planejamento é conduzido por sindicatos e a distribuição é realizada através de cotas ou de uma forma limitada de moeda. Todos esses modelos baseiam-se nos princípios de trabalhar conjuntamente para satisfazer necessidades comuns e de rejeitar de todas as formas de hierarquia – como patrões, gerencialismos e a divisão da sociedade em classes como ricos e pobres ou proprietários e trabalhadores.

Sem salários, qual é o incentivo para trabalhar?

Algumas pessoas preocupam-se com que ninguém mais irá trabalhar se abolirmos o capitalismo e o trabalho assalariado. É verdade que o trabalho tal como existe atualmente para a maioria das pessoas vai deixar de existir; porém, o trabalho que é socialmente útil oferece muitos incentivos além do pagamento. Na realidade, receber pagamento para fazer algo torna esse algo menos agradável. A alienação do trabalho, que é uma parte do capitalismo, destrói os incentivos naturais para trabalhar, como o prazer de agir livremente e a satisfação de um trabalho bem feito. Quando o trabalho nos coloca em uma posição de inferioridade – em relação ao patrão que nos vigia e às pessoas ricas que são donas do nosso local de trabalho – e não temos o poder de tomada de decisão em nosso trabalho, tendo que seguir ordens sem pensar, ele pode tornar-se penosamente odioso e anestesiante. Também perdemos nosso incentivo natural para o trabalho quando não estamos fazendo algo útil para nossas comunidades. Dos poucos trabalhadores que têm atualmente a sorte de realmente ver o que produzem, quase todos estão fazendo algo que é rentável para seus empregadores, mas completamente sem sentido para eles pessoalmente. A linha fordista de estruturação do trabalho transforma as pessoas em máquinas. Ao invés de cultivar habilidades de que os trabalhadores podem se orgulhar, ela prova-se mais efetiva em relação a custos ao dar a cada pessoa uma tarefa única e repetitiva, colocando-a em uma linha de montagem. Não admira que tantos trabalhadores sabotem ou roubem os seus locais de trabalho, ou ainda que apareçam com uma pistola automática e “vão à loucura”.
A ideia de que sem salários as pessoas parariam de trabalhar não tem fundamento. Na vasta linha do tempo da história humana, os salários são uma invenção relativamente recente, e as sociedades que existiram sem moeda ou salários não morriam de fome porque ninguém pagava os trabalhadores. Com a abolição do trabalho assalariado, somente aquele tipo de trabalho cuja utilidade ninguém consegue justificar desapareceria; todo o tempo e os recursos gastos para fazer toda essa porcaria inútil em que a nossa sociedade está se afogando seriam poupados. Pense no quanto de nossos recursos e trabalho vão para publicidade, embalagens e bens descartáveis – coisas de que ninguém se orgulha de fazer, feitas para durar pouco tempo, de modo que você tenha que comprar a próxima versão.
Sociedades indígenas com menor divisão do trabalho não têm nenhum problema em viver sem salário porque suas atividades econômicas primárias – produzir comida, moradia, vestimenta, ferramentas – são todas facilmente ligadas às necessidades comuns. Nessas circunstâncias, o trabalho é uma atividade social necessária e uma clara obrigação de todo membro apto da comunidade. E como o trabalho se dá em lugares flexíveis e pessoais, ele pode ser adaptado às capacidades de cada pessoa, não havendo nada que o impeça de se tornar uma brincadeira. Consertar sua casa, caçar, passear pela mata identificando plantas e animais, costurar, cozinhar – a classe média entediada não faz isso em seus momentos de lazer para esquecer seus empregos asquerosos por um momento?
Sociedades anticapitalistas com maior especialização econômica desenvolveram vários métodos para dar incentivos e para distribuir os produtos do trabalho. Os já mencionados kibbutzim israelenses oferecem um exemplo de incentivos para o trabalho na ausência de salários. Um livro que documenta a vida e o trabalho em um kibbutz identifica quatro motivações maiores para se trabalhar dentro de equipes cooperativas, sem competição individual ou intenção de lucro: a produtividade do grupo afeta o padrão de vida da comunidade inteira, então existe uma pressão do grupo para se trabalhar duro; as pessoas trabalham onde quiserem e obtêm satisfação em seus trabalhos; elas desenvolvem um orgulho competitivo se sua área de trabalho se sai melhor que as outras; enquanto valor cultural, o trabalho gera prestígio no ‘’kibbutz’’.[1] Como descrito anteriormente, o declínio dos kibbutzim origina-se do fato de que eles eram empresas socialistas competindo dentro de uma economia capitalista, e, por isso, submetidas mais à lógica da competição do que à da ajuda mútua. Uma comuna organizada de modo semelhante em um mundo sem o capitalismo não enfrentaria esses problemas. Em todo caso, a rejeição ao trabalho devido à falta de salários não era um dos problemas que os kibbutzim enfrentavam.
Muitos anarquistas sugerem que os germes do capitalismo estão contidos na própria mentalidade da produção. Mesmo que um dado tipo de economia consiga sobreviver, com muito menor crescimento, dentro do capitalismo, essa é uma fraca medida de seu potencial de libertação. Anarquistas propõem e debatem muitas formas diferentes de economia, algumas podendo ser praticadas em um grau limitado porque são completamente ilegais no mundo atual. No movimento europeu de ocupações [squats, okupas], algumas cidades tiveram ou continuam a ter muitas casas e centros sociais ocupados que constituem uma outra sociedade. Em Barcelona, no ano de 2008, havia pelo menos quarenta centros sociais e duzentas casas ocupadas. Os coletivos de pessoas que moram nessas ocupações geralmente usam o consenso e as assembleias, e a maioria é anarquista ou explicitamente antiautoritária. Para uma grande parcela, o trabalho e a troca foram abolidos de suas vidas, cujas redes envolvem milhares de pessoas. Muitas dessas pessoas não têm empregos assalariados ou trabalham sazonal ou esporadicamente, já que não precisam pagar aluguel. O autor deste livro, por exemplo, viveu nesta rede por dois anos e sobreviveu na maior parte do tempo com menos de um euro por dia. Além disso, o grande número de atividades que ocorre dentro do movimento autônomo não são remuneradas. Mas não há necessidade de salários: as pessoas trabalham para si mesmas. Elas ocupam prédios abandonados pela especulação imobiliária, tanto como protesto contra a gentrificação quanto como ação direta anticapitalista, para prover moradia a si mesmas. Ensinando-se e aprendendo as habilidades de que necessitam, elas arrumam suas novas casas, limpando-as, consertando os telhados, instalando janelas, banheiros, luzes, cozinhas e tudo do que precisam. Geralmente elas fazem gatos para ter eletricidade, água e internet, e boa parte da sua comida vem da coleta do que era lixo para outras pessoas, furtos e hortas ocupadas.
Na total ausência de salários ou gerentes, elas têm bastante trabalho, mas em seu próprio ritmo e lógica – a da ajuda mútua. Além de consertar suas próprias casas, elas também direcionam suas energias trabalhando para a vizinhança e para o enriquecimento de suas comunidades, satisfazendo muitas de suas necessidades coletivas além da moradia. Alguns centros sociais têm oficinas de conserto de bicicletas, permitindo que as pessoas consertem ou façam suas próprias bicicletas, usando partes usadas. Outros oferecem oficinas de carpintaria, autodefesa, ioga e vida saudável, bibliotecas, hortas, refeições conjuntas, grupos de arte e teatro, aulas de idiomas, mídias alternativas e contrainformação, apresentações de música e de filmes, laboratórios de informática onde as pessoas podem usar a internet e aprender sobre segurança nos seus e-mails ou hospedar seus próprios sites, e eventos de solidariedade para lidar com a inevitável repressão. Quase todos esses serviços são oferecidos de maneira completamente gratuita. Não existe troca: um grupo se organiza para fornecer um serviço e a rede social inteira se beneficia.
Com uma grande quantidade de iniciativas em uma sociedade tão passiva, as ocupações têm regularmente ideias para organizar refeições conjuntas, oficinas de conserto de bicicletas ou exibições semanais de filmes; depois de falar com amigos e amigos de amigos, até terem pessoas e recursos suficientes para tornar a ideia concreta, são espalhados convites para as atividades, oralmente ou através de cartazes, com a esperança de que o maior número de pessoas compareça e participe. Numa mentalidade capitalista, elas estão avidamente convidando pessoas para roubá-las, mas as ocupações nunca param para questionar atividades que não lhes dão retorno em dinheiro. É evidente que foi criada aí uma nova forma de riqueza, e compartilhar o que as ocupações fazem as torna claramente mais ricas.
A vizinhança próxima também se torna mais rica, já que as ocupações tomam a iniciativa de criar projetos muito mais rapidamente do que o governo local conseguiria. Por exemplo, uma revista de uma associação de bairro em Barcelona elogiava uma ocupação local por responder a uma demanda que o governo ignorava havia anos: construir uma biblioteca. Além disso, uma revista da grande imprensa notava que “os integrantes das ocupações realizam os trabalhos que a prefeitura ignora”.[2] No mesmo bairro, as ocupações demonstraram ser grandes aliadas dos vizinhos que pagavam aluguel e estavam sendo pressionados pelos locatários. Os integrantes das ocupações trabalharam incansavelmente junto a uma associação de pessoas que enfrentavam situações de expulsão ilegal e assédio por parte dos locatários, impedindo, no fim, a expulsão de seus vizinhos.
Em uma tendência que parece comum à total abolição do trabalho, o social e o econômico parecem misturar-se de modo inseparável. Não se fixa um valor monetário ao trabalho e aos serviços, pois eles são atividades sociais realizadas individual ou coletivamente como parte da vida cotidiana, sem qualquer necessidade de contabilidade ou gerenciamento. O resultado é que, em cidades como Barcelona, as pessoas podem passar a maior parte do seu tempo e satisfazer a maioria das suas necessidades – desde a moradia até o entretenimento – dentro dessa rede social de ocupações, sem trabalho assalariado e quase sem dinheiro. É claro que nem tudo pode ser furtado (não ainda) e os integrantes das ocupações ainda têm que vender seu trabalho para pagar assistência médica e outros custos. Mas, para muitas pessoas, a natureza excepcional dessas coisas que não podem ser produzidas pelas próprias pessoas, coletadas nas ruas ou furtadas e a afronta que é ter de vender momentos valiosos da sua vida para trabalhar para uma corporação podem ter o efeito de aumentar o grau de conflito com o capitalismo.
Uma armadilha de qualquer movimento poderoso o suficiente para criar uma alternativa ao capitalismo é que seus participantes podem facilmente tornar-se complacentes ao viver em sua bolha de autonomia e perder a vontade de lutar pela abolição completa do capitalismo. O ato de ocupar em si pode facilmente se tornar um ritual; em Barcelona, por exemplo, o movimento como um todo não usou a mesma criatividade que tem no que se refere a muitos aspectos práticos de conserto de casas, ou para encontrar a sua subsistência com pouco ou nenhum dinheiro, em atividades de resistência ou de ataque. A natureza autossustentável da rede de ocupações, a presença imediata de liberdade, iniciativa, prazer, independência e comunidade em suas vidas não destruíram de nenhuma forma o capitalismo, mas revelaram que este é um morto-vivo, com somente a polícia para impedir que ele seja extinto e substituído por formas muito superiores de vivência.

As pessoas não precisam de patrões e especialistas?

Como os anarquistas podem organizar-se no seu local de trabalho e coordenar as questões de produção e distribuição em uma economia inteira sem patrões e gerentes? Na realidade, perde-se uma grande quantidade de recursos na competição e nos intermediários. No fim das contas, a produção e a distribuição são conduzidas por trabalhadores, e eles sabem como coordenar o seu próprio trabalho na ausência de patrões.
Em Turim e arredores, na Itália, 500 mil trabalhadores participaram do movimento de tomada de fábricas ocorrido depois da Primeira Guerra Mundial. Comunistas, anarquistas e outros trabalhadores que estavam cansados de ser explorados realizaram greves selvagens, muitas vezes ganhando o controle de suas fábricas e instalando Conselhos Fabris para coordenar suas atividades, sendo capazes de conduzir as fábricas por conta própria, sem patrões. Eventualmente, os Conselhos foram legalizados e acabaram – em parte cooptados e absorvidos pelos sindicatos, cuja existência institucional, tanto quanto a dos proprietários, estava ameaçada pelo poder autônomo dos trabalhadores.
Em dezembro de 2001, uma crise econômica que vinha se arrastando havia tempos alcançou seu auge numa corrida aos bancos que precipitou uma revolta popular. A Argentina era a menina-dos-olhos de instituições neoliberais como o Fundo Monetário Internacional, mas as políticas que enriqueceram os investidores estrangeiros e deram à classe média nacional um estilo de vida de primeiro mundo acabaram criando uma pobreza aguda para a maior parte a população. A resistência anticapitalista já estava amplamente desenvolvida entre as pessoas sem emprego e, depois que a classe média perdeu todas as suas economias, milhões de pessoas tomaram as ruas, rejeitando todas as falsas soluções e justificativas oferecidas pelos políticos, economistas e mídia, declarando, por sua vez: “Que se vayan todos!”. Dezenas de pessoas foram mortas pela polícia; mesmo assim, houve resistência. O terror disseminado lembrou a ditadura militar das décadas de 1970 e 80.
Centenas de fábricas abandonadas por seus proprietários foram ocupadas por trabalhadores, que reiniciaram a produção para poderem sustentar suas famílias. As fábricas ocupadas mais radicais chegaram a nivelar salários e compartilhar os compromissos da gerência entre todos os trabalhadores. As decisões eram tomadas em encontros abertos e alguns trabalhadores compartilhavam conhecimento em áreas como a contabilidade. Para garantir que uma nova classe diretiva não surgisse, algumas fábricas promoviam a rotação de tarefas de direção ou exigiam que as pessoas que ocupavam papéis de gerência também trabalhassem no chão de fábrica. Quando da escrita deste livro, algumas fábricas ocupadas tinham conseguido expandir sua força de trabalho e contratar mais trabalhadores da imensa população desempregada argentina. Em alguns casos, fábricas ocupadas comercializavam suprimentos e produtos necessários entre si, criando uma outra economia com um espírito de solidariedade.
A Zanon [hoje FaSinPat, acrônimo de “Fábrica Sin Patrones”], fábrica de cerâmica localizada no sul da Argentina, é um dos exemplos mais conhecidos. Ela foi fechada pelo proprietário em 2001 e ocupada pelos trabalhadores em janeiro de 2002. A fábrica começou a ser administrada através de reuniões e comissões abertas realizadas para os trabalhadores gerenciarem os setores de vendas, administração, planejamento, segurança, higiene, compras, produção, distribuição e imprensa. Após a ocupação, os trabalhadores demitidos por causa do fechamento foram recontratados. Em 2004, a fábrica somava duzentos e setenta trabalhadores e produzia 50% do que era produzido antes do fechamento. A assistência médica foi provida por médicos e psicólogos trazidos ao local. Os trabalhadores descobriram que podiam pagar sua mão-de-obra com apenas dois dias de produção, então diminuíram os preços em 60% e organizaram uma rede de vendedores jovens, anteriormente desempregados para vender telhas de cerâmica pela cidade. Além da produção de telhas, a Zanon envolve-se com movimentos sociais, doando dinheiro para hospitais e escolas, vendendo telhas a preço de custo para pessoas pobres, servindo de sede para apresentações de filmes e espetáculos e conduzindo ações de solidariedade juntamente com outras lutas. Ela também apoia a luta dos Mapuche por autonomia; e quando o seu principal fornecedor deixou de fazer negócios com ela por razões políticas, os Mapuche tornaram-se os principais fornecedores de barro. Até abril de 2003, a fábrica havia enfrentado quatro tentativas de expulsão pela polícia, com o apoio dos sindicatos. Em todas, os trabalhadores resistiram à força, com a ajuda de pessoas próximas, piqueteros',' entre outras.
Em julho de 2001, os trabalhadores do supermercado El Tigre, em Rosário, na Argentina, ocuparam o local. O proprietário o tinha fechado dois meses antes e declarado bancarrota, ainda devendo dois meses de salário aos funcionários. Depois de protestar sem resultados, os trabalhadores reabriram o supermercado e começaram a administrá-lo por conta própria através de uma assembleia que dava a todos os trabalhadores espaço na tomada de decisões. Dentro de um espírito de solidariedade, eles reduziram os preços e começaram a vender frutas e vegetais de uma cooperativa de agricultores local e produtos feitos nas fábricas ocupadas. Parte do espaço também foi usada para abrir um centro cultural para o bairro, sediando discussões políticas, grupos de estudo, oficinas de teatro e ioga, apresentações de marionetes, um café e uma biblioteca. Em 2003, o centro cultural de El Tigre sediou o encontro nacional de fábricas recuperadas, com a presença de mil e quinhentas pessoas. Maria, uma integrante do coletivo, falou o seguinte sobre sua experiência: “Três anos atrás, se alguém tivesse me dito que poderíamos administrar esse lugar, eu nunca teria acreditado... Acreditava que nós precisávamos de patrões para nos dizer o que fazer, mas agora percebo que, em conjunto, podemos fazer melhor que antes”.[3]
Em Euskal Herria, o país Basco ocupado pelos Estados da Espanha e da França, um grande complexo de negócios cooperativos e de propriedade dos trabalhadores surgiu nas proximidades da pequena cidade de Mondragón. Tudo começou com uma cooperativa de vinte e três trabalhadores, em 1956; em 1986, já eram 19.500 trabalhadores em mais de cem cooperativas, sobrevivendo apesar da forte recessão de então na Espanha e com uma taxa de sobrevivência muito maior do que a média das empresas capitalistas:
Mondragón teve uma rica experiência por muitos anos na fabricação de produtos bastante variados, como móveis, equipamentos para cozinha, máquinas e componentes eletrônicos e na impressão, na construção naval e fundição de minérios. Mondragón criou cooperativas híbridas compostas tanto por consumidores e trabalhadores quanto por agricultores e trabalhadores. O complexo desenvolveu sua própria cooperativa de previdência social e um banco cooperativo que está crescendo mais rapidamente que qualquer outro banco nas províncias bascas.[4]
A mais alta autoridade nas cooperativas de Mondragón é a assembleia geral, em que todo trabalhador tem direito ao voto; a administração específica da cooperativa é realizada por um conselho governante eleito, auxiliado por um conselho administrativo e um conselho social.
Também há muitas críticas ao complexo de Mondragón. Para anarquistas, não é surpresa que uma estrutura democrática possa ter um grupo de elite, e, de acordo com as críticas, é exatamente isso o que ocorreu à medida que o complexo cooperativo procurava – e alcançava – o sucesso dentro da economia capitalista. Apesar de tudo o que alcançou ser impressionante e contrariar a suposição de que grandes indústrias devem ser organizadas hierarquicamente, a compulsão das cooperativas para atingir a rentabilidade e serem competitivas levou-as a administrar sua própria exploração. Por exemplo, depois de décadas mantendo-se fiéis aos seus princípios igualitários em relação ao pagamento, eventualmente as cooperativas de Mondragón decidiram aumentar os salários dos especialistas gerenciais e técnicos. A justificativa dada foi que era difícil manter pessoal que pudesse receber um pagamento muito mais alto em uma outra empresa. Esse problema indica uma necessidade de congregar tarefas manuais e intelectuais para evitar a profissionalização de especialistas (isto é, desenvolver especialidades como qualidades restritas a uma pequena elite); para construir uma economia na qual as pessoas produzem não para o lucro, mas para os outros membros da rede, de modo que o dinheiro perca a sua importância e as pessoas ajam dentro de um senso de comunidade e solidariedade.
As pessoas nas sociedades de alta tecnologia de hoje em dia são treinadas para acreditar que eventos do passado ou do mundo “subdesenvolvido” não têm valor para a nossa situação atual. Muitas pessoas que se consideram sociólogas e economistas renegam o exemplo de Mondragón classificando a cultura basca como excepcional. Mas existem outros exemplos da eficácia de locais de trabalho igualitários, mesmo no coração do capitalismo.
A Gore Associates é uma empresa bilionária com sede no estado norte-americano de Delaware que produz o Gore-Tex, um material à prova d'água que funciona como isolamento especial para cabos de computadores, usado pelas indústrias médica, automotiva e de semicondutores. Lá, os salários são decididos coletivamente, não há desigualdade entre posições na empresa ou uma estrutura formal de gerenciamento e a diferença entre empregados é minimizada. De acordo com todos os padrões capitalistas de desempenho – rotatividade de pessoal, rentabilidade, reputação do produto, listas das melhores companhias para trabalhar –, a Gore é um sucesso.
Um fator importante em seu sucesso é a sua adesão ao que alguns acadêmicos chamam de Regra dos 150. Com base na observação de que grupos caçadores-coletores pelo mundo – assim como comunidades e comunas intencionais bem sucedidas – parecem manter seu tamanho entre cem e cento e cinquenta pessoas, a teoria assume que o cérebro é mais bem equipado para se guiar em redes de relações pessoais de até cento e cinquenta pessoas. Manter relações pessoais, lembrar nomes, status sociais e códigos de conduta e comunicação estabelecidos – tudo isso exige espaço mental; assim como outros primatas tendem a viver em grupos de um número máximo de integrantes, os seres humanos são provavelmente adaptados para manter um certo número de colegas. Todas as fábricas da Gore mantêm menos de cento e cinquenta pessoas empregadas, de modo que cada planta pode ser inteiramente autogestionada – não somente no chão de fábrica, mas também por aqueles responsáveis pelo marketing, pesquisas e outras tarefas.[5]
Pessoas céticas geralmente rejeitam o exemplo anarquista de sociedades “primitivas” de pequena escala argumentando que não é mais possível organizar-se em tal escala, dada a imensa população atual. Mas é justamente a organização em muitas pequenas unidades que dá um fim a essa sociedade imensa. A organização de pequena escala é obviamente possível. Mesmo dentro de uma indústria de alta tecnologia, as indústrias Gore conseguem coordenar-se entre si e com fornecedores e consumidores ao mesmo tempo que mantêm sua estrutura organizacional de pequena escala. Cada unidade é capaz de organizar suas relações internas do mesmo modo que as externas.
É claro que o exemplo de uma fábrica produzindo com sucesso dentro do sistema capitalista deixa muito a desejar. A maioria dos anarquistas preferiria ver todas as fábricas reduzidas a cinzas a ver formas de organização antiautoritárias sendo usadas para suavizar o capitalismo. Esse exemplo, entretanto, deve mostrar que, mesmo dentro de uma sociedade grande e complexa, a auto-organização funciona.
O exemplo da Gore também é problemático porque os trabalhadores não são donos da fábrica, além de haver o risco de um gerenciamento formal ser imposto novamente a qualquer momento pelos donos da companhia. Anarquistas teorizam que os problemas do capitalismo não existem somente na relação entre trabalhadores e proprietários, mas também entre trabalhadores e gerentes; enquanto a relação gerente-trabalhador persistir, o capitalismo pode reemergir. Essa teoria certamente nasceu do exemplo de Mondragón, em que gerentes que faziam hora extra ganhavam maiores salários e mais poder, renovando as dinâmicas desiguais e com vistas ao lucro típicas do capitalismo. Levando isso em conta, alguns anarquistas fizeram um esboço de uma “economia participativa”, ou parecon[6], apesar de ainda não ter havido oportunidade para instalar uma economia como essa em uma escala considerável. A ênfase da economia participativa está, entre outras questões, na importância de empoderar todos os trabalhadores, misturando tarefas criativas e repetitivas, mentais e manuais, criando assim “complexos de trabalho balanceado” que evitarão o surgimento de uma classe gerencial.[7]
Durante a revolta em Oaxaca em 2006, pessoas sem experiência prévia organizaram-se para gerenciar estações de rádio e televisão ocupadas. Sua motivação era a necessidade social de meios de comunicação livres. A Marcha das Panelas [Marcha de las Cacerolas], a lendária marcha das mulheres realizada em 1º de agosto de 2006, culminou com milhares de mulheres tomando espontaneamente a estação de televisão estatal. Inspiradas pelo repentino senso de poder que ganharam rebelando-se contra uma sociedade patriarcal, elas tomaram o Canal 9, o qual continuamente difamava os movimentos sociais, ao mesmo tempo em que afirmava ser o canal do povo. Primeiramente, elas fizeram o pessoal da engenharia ajudá-las a dirigir a estação, mas em pouco tempo elas estavam aprendendo a realizar as tarefas por conta própria. Como uma mulher relatou:
Eu ia diariamente ao canal para montar guarda e ajudar. As mulheres estavam organizadas em diferentes comissões: comida, higiene, produção e segurança. Uma coisa de que gostei é que não havia líderes individuais. Para cada tarefa, havia um grupo de algumas mulheres encarregado. Aprendemos tudo do início. Lembro de alguém perguntando quem sabia usar um computador. Então muitas das garotas mais jovens levantaram dizendo “eu, eu, eu sei!”. Na Radio Universidad, anunciaram que precisávamos de gente com habilidades técnicas e mais pessoas vieram ajudar. No começo, filmávamos cortando a cabeça das pessoas. Mas a experiência no Canal 9 nos mostrou que, onde há vontade, há um caminho. As coisas foram feitas, e bem feitas.
No curto período [três semanas] em que estávamos conduzindo o Canal 9 – até o Governador Ulises ordenar a destruição das antenas –, conseguimos disseminar muita informação. Passávamos filmes e documentários que você nunca poderia imaginar que passassem na TV: sobre diferentes movimentos sociais, sobre o massacre de estudantes de Tlatelolco, na Cidade do México, em 1968, os massacres de Aguas Blancas em Guerrero [em 1995] e de Acteal em Chiapas [em 1997], sobre guerrilhas em Cuba e El Salvador. Nesse momento, o Canal 9 não era mais somente o canal das mulheres, era o canal de todas as pessoas. Aquelas que participaram também fizeram seus próprios programas. Havia um programa para jovens e outro com participação de comunidades indígenas. Havia um programa de denúncias, no qual qualquer pessoa podia vir e denunciar como o governo a tinha tratado. Muitas pessoas de vários bairros e comunidades queriam participar, de modo que mal havia tempo suficiente para todas.[8]
Depois que a estação de televisão ocupada foi tirada do ar, o movimento respondeu ocupando todas as onze estações de rádio comerciais em Oaxaca. A homogeneidade das rádios comerciais foi substituída por uma miríade de vozes – uma rádio para estudantes universitários, uma para os grupos de mulheres, uma para os anarquistas de uma ocupação de punks – e havia mais vozes indígenas no rádio do que em qualquer outra ocasião. Em pouco tempo, as pessoas no movimento decidiram devolver as rádios aos seus antigos proprietários, mas mantiveram o controle de duas delas. Seu objetivo não era suprimir as vozes que se lhes opunham – mesmo que as vozes comerciais sejam artificiais –, mas criar meios para se comunicar. As estações de rádio remanescentes operaram com sucesso por meses, até que a repressão governamental fechou-as. Um estudante universitário envolvido na tomada, no controle e na defesa das estações de rádio disse:
Depois da tomada, li um artigo que dizia que os autores intelectuais e materiais das tomadas das rádios não eram de Oaxaca, mas que tinham vindo de outros lugares para dar apoio especializado. Lá dizia que teria sido impossível para qualquer pessoa sem treinamento prévio operar as rádios em tão pouco tempo, porque o equipamento é muito sofisticado para qualquer pessoa usar. O artigo estava errado.[9]

Quem vai recolher o lixo?

Se todas as pessoas estiverem livres para trabalharem como escolherem, quem vai recolher o lixo ou realizar outros trabalhos indesejados? Felizmente, em uma sociedade anticapitalista localizada não poderíamos externalizar, ou esconder, os custos de nosso estilo de vida pagando para outras pessoas limparem nossa sujeira. Teríamos de pagar pelas consequências de todas as nossas ações, em vez de pagar para a China levar o nosso lixo tóxico, por exemplo. Se um serviço necessário como a coleta de lixo estivesse sendo negligenciado, a comunidade rapidamente notaria e teria de decidir como resolver esse problema. As pessoas poderiam concordar em conceder um pagamento adicional a esse trabalho – nada que se traduza em poder ou autoridade; pelo contrário, algo como ser o primeiro da fila quando produtos diferentes chegam à cidade, receber uma massagem ou um bolo, ou simplesmente o reconhecimento e a gratidão por ser um bom membro da comunidade. Ou seja, em uma sociedade cooperativa, ter uma boa reputação e ser visto pelas outras pessoas como responsável são incentivos maiores do que recompensas materiais.
A comunidade também poderia decidir que todas as pessoas deveriam envolver-se nessas tarefas de maneira rotativa. Uma atividade como a coleta do lixo não precisa ser a “carreira” de alguém numa economia anticapitalista. Tarefas necessárias que ninguém deseja realizar devem ser compartilhadas por todas as pessoas. Assim, ao invés de umas poucas pessoas tendo de tirar o lixo sua vida inteira, todas as que estivessem fisicamente capazes teriam de fazer isso por algumas horas mensais.
A “cidade livre” de Christania é um quarteirão em Copenhague, na Dinamarca, que está ocupado desde 1971. Seus 850 habitantes são autônomos dentro de 34 hectares. As pessoas recolhem seu próprio lixo há mais de trinta anos. O fato de que elas recebem mais de um milhão de visitante por ano faz o seu feito ainda mais impressionante. Ruas, prédios, restaurantes e banheiros públicos são todos razoavelmente limpos – especialmente para hippies! O curso d'água que corre por Christania não é muito limpo, mas, levando em conta que Christania é bem arborizada e não tem automóveis, suspeita-se que a maior parte da poluição venha da cidade ao redor, que compartilha o curso d'água.
Os habitantes construíram dezenas de casas em Christania usando eco-designs inovadores. Também foram usados:
energia solar e eólica, compostagem e uma gama de outras inovações que respeitam o meio ambiente. Um método de tratamento de esgoto através de juncos – o que significa que a água que sai de Christania é tão limpa quanto a que sai das outras plantas de tratamento de Copenhague – ajudou a comuna a entrar na lista das concorrentes a um prêmio pan-escandinavo de vida ecológica.[10]
Diferentes pessoas entrevistadas têm diferentes concepções de como Christania é mantida limpa, sugerindo um tipo de sistema dual. Uma pessoa recém chegada disse que você limpa depois de usar e quando você sente que fez trabalho extra, é porque você fez. Um residente mais antigo e mais envolvido na tomada de decisões explicou que há um comitê do lixo responsável por manter Christiania limpa, embora a ajuda voluntária e a limpeza por todos os moradores seja claramente a parte mais fundamental.

Quem cuidará dos idosos e dos deficientes?

Somente numa sociedade com aquilo que é chamado eufemisticamente de “mercado altamente competitivo” as pessoas idosas e deficientes são tão marginalizadas. Para aumentar as margens de lucro, quem emprega evita contratar pessoas com deficiências e forçam trabalhadores mais velhos a se aposentarem. Quando os trabalhadores são compelidos a buscar frequentemente novos empregos, em uma cultura na qual o rito de passagem para a idade adulta é a mudança para sua própria casa, os pais são deixados sozinhos à medida que envelhecem ou têm de se mudar para qualquer tipo de asilo que possam pagar. Muitas dessas pessoas idosas morrem negligenciadas, sozinhas e em condições indignas, apresentando escaras (feridas causadas por imobilidade no leito) e não tendo as fraldas trocadas por dias. Em um mundo anarquista e anticapitalista, o tecido social não seria tão cruel.
Nos muitos experimentos que surgiram na Argentina em resposta à crise de 2001, floresceram economias de solidariedade e cuidado por todos os membros da sociedade. O colapso econômico no país não levou ao cenário de caos que os capitalistas temem. Em vez disso, o resultado foi uma explosão de solidariedade, e as pessoas idosas e deficientes não foram deixadas fora dessa rede de ajuda mútua. Participando das assembleias de bairro, elas tiveram uma chance de garantir suas próprias necessidades e representar a si mesmas nas decisões que afetariam suas vidas. Em algumas assembleias, os participantes sugeriam que aquelas pessoas que possuíam suas próprias casas dessem o dinheiro destinado ao imposto sobre propriedade para o hospital local e outras instalações de amparo. Em partes da Argentina com altos índices de desemprego, movimentos de trabalhadores desempregados tomaram efetivamente o controle e estão construindo novas economias. Em General Mosconi, uma cidade localizada na província de Salta (norte do país), cuja economia baseia-se no petróleo, a taxa de desemprego é superior a 40% e a área é bastante autônoma. O movimento organizou mais de trezentos projetos para descobrir as necessidades das pessoas, incluindo as das idosas e deficientes.
Mesmo na ausência de riqueza armazenada ou infraestrutura fixa, sociedades caçadoras-coletoras sem Estado geralmente tomam conta de todos os membros de sua comunidade, não importando se são economicamente produtivos. Na realidade, avós – geneticamente inúteis de um ponto de vista darwinista, já que sua idade de reprodução já passou[11] – são uma característica marcante da humanidade que remonta a milhões de anos atrás, e os fósseis do início de nossa espécie mostra que os idosos recebiam cuidados. Sociedades caçadoras-coletoras modernas demonstram não somente cuidado material pelas pessoas idosas, mas também algo que é invisível nos fósseis: o respeito. Os Mbuti, por exemplo, reconhecem cinco grupos etários – bebês, crianças, jovens, adultos e idosos – e desses somente os adultos possuem produção econômica significativa na forma de coleta e caça; no entanto, a riqueza social é compartilhada por todas as pessoas, não importando sua produtividade. Seria impensável deixar as idosas ou deficientes morrerem de fome simplesmente porque não trabalham. Do mesmo modo, os Mbuti incluem todos os membros de sua sociedade na tomada de decisões e na participação na vida política e social, e as pessoas idosas desempenham um papel especial na resolução de conflitos e na pacificação.

Como as pessoas terão assistência médica?

Capitalistas e burocratas veem a assistência médica como uma indústria – um modo de extorquir dinheiro das pessoas em necessidade – e também como um modo de acalmar a população e evitar revoltas. Não é surpresa que a qualidade da assistência médica seja geralmente sofrível. No país mais rico do mundo [EUA], milhões de pessoas não têm acesso a assistência médica, incluindo este autor, e, a cada ano, milhares de pessoas morrem de doenças que poderiam ser prevenidas ou tratadas.
Prover assistência médica é um objetivo chave de revolucionários anticapitalistas, tendo em vista que trabalhos e condições de vida perigosas e a falta de assistência médica foram sempre algumas das maiores injustiças dentro do capitalismo. Por exemplo, piqueteros desempregados e assembleias de bairro na Argentina geralmente instalavam clínicas ou tomavam e financiavam hospitais abandonados pelo Estado.
Durante a Guerra Civil Espanhola, o Sindicato Médico de Barcelona, organizado na maior parte por anarquistas, administrou dezoito hospitais (seis criados pelo próprio sindicato), dezessete sanatórios, vinte e duas clínicas, seis estabelecimentos psiquiátricos, três enfermarias e uma maternidade. Departamentos para atender pacientes eram instalados nas principais localidades da Catalunha. O sindicato enviava médicos para os locais que os pediam; o médico só poderia recursar com uma boa razão, “já que a medicina era considerada um serviço comunitário”.[12] Fundos para clínicas vinham de contribuições das municipalidades locais. A Unión de Trabajadores de Salud, de caráter anarquista, envolvia oito mil trabalhadores da saúde: 1020 médicos, 3206 enfermeiras, 133 dentistas, 330 parteiras e 153 herboristas, entre outros. A União operava trinta e seis centros de saúde distribuídos pela Catalunha para prover assistência médica a todas as pessoas na região inteira. Havia um sindicato central em cada uma das nove zonas e, em Barcelona, um comitê de controle composto por um delegado de cada seção reunia-se a cada semana para lidar com problemas comuns e implementar um plano comum. Cada departamento era autônomo dentro de sua própria esfera, mas não isolado, já que uns prestavam apoio aos outros. Além da Catalunha, a assistência médica era provida gratuitamente em coletivos agrários nas regiões de Aragón e Levante.
Mesmo no incipiente movimento anarquista nos EUA atual, anarquistas estão aprendendo sobre assistência médica e oferecendo-a. Em algumas comunidades, anarquistas estão aprendendo medicina alternativa para usar em suas comunidades. Em protestos, dada a probabilidade da violência policial, são organizadas redes de médicos voluntários que instalam estações de primeiros socorros e reúnem médicos que se deslocam para prover primeiros socorros a milhares de manifestantes. Esses médicos, geralmente treinados por conta própria, tratam dos efeitos de spray de pimenta e gás lacrimogêneo, de golpes de cassetete, armas de choque, balas de borracha, e ferimentos ocasionados por cavalos, entre outros, além de choques e traumas. O Grupo Médico de Libertação da Área de Boston [BALM Squad, na sigla em inglês] é um exemplo de grupo médico que se organiza permanentemente. Formado em 2001, seus integrantes já viajaram para protestos em outras cidades e oferecem treinamento de primeiros socorros. O grupo tem um site que compartilha informação e apresenta links para outras iniciativas, como a clínica Common Ground [Base Comum], descrita abaixo. Essa clínica é não-hierárquica e toma decisões em consenso, assim como o Coletivo Radical de Saúde da Área da Baía [Bay Area Radical Health Collective – Bay, no caso, refere-se à baía de São Francisco, na Califórnia], um grupo similar da costa oeste dos EUA.
Entre um protesto e outro, algumas feministas radicais dos EUA e do Canadá formaram Coletivos de Saúde da Mulher para lidar com as necessidades femininas. Alguns desses coletivos ensinam anatomia feminina de modos empoderadores e positivos, mostrando às mulheres como fazer em si mesmas exames ginecológicos, passar confortavelmente pela menstruação e praticar métodos contraceptivos seguros. O establishment médico patriarcal do Ocidente geralmente ignora a saúde da mulher a ponto de se tornar degradante e perigoso. Uma abordagem anti-establishment do tipo faça-você-mesma permite que pessoas marginalizadas subvertam um sistema negligente organizando-se para satisfazer suas próprias necessidades.
Depois que o Furacão Katrina devastou Nova Orleans, médicos ativistas se uniram a um antigo grupo dos Panteras Negras para criar a clínica Common Ground em uma das regiões mais necessitadas da cidade. Logo essas pessoas foram ajudadas por centenas de anarquistas e de outras voluntárias de todo o país, a maior parte sem experiência. Fundada a partir de doações e gerida por voluntárias, a clínica Common Ground já forneceu tratamento a dezenas de milhares de pessoas. O fracasso do “Gerenciamento Emergencial” criado por especialistas do governo durante a crise é amplamente reconhecido. Mas a Common Ground estava tão bem organizada que prestou mais auxílio que a Cruz Vermelha, apesar de esta ter muito mais experiência e recursos.[13] No processo, foi popularizado o conceito de ajuda mútua e o fracasso do governo foi posto às claras. No momento desta escrita, a Common Ground tinha quarenta organizadores que trabalhavam em tempo integral e estava em busca de uma saúde em um sentido muito mais amplo, criando jardins comunitários e lutando pelo direito de moradia, para que as pessoas que estavam sem teto por causa da tempestade não fossem impedidas de ter uma casa por causa dos planos governamentais de gentrificação. Ela ajudou a esvaziar e reconstruir muitas casas nos bairros mais pobres, os quais as autoridades queriam botar abaixo para dar mais espaço às pessoas brancas e ricas.

E a educação?

A educação é, há bastante tempo, uma prioridade de movimentos anarquistas e revolucionários pelo mundo. Mesmo que as pessoas ignorem totalmente a organização da educação depois da revolução, ela seria ainda assim uma melhoria em comparação com as formas de educação patrióticas, degradantes, manipuladoras e automáticas patrocinadas pelo Estado-Nação. Como quaisquer outras pessoas, as crianças são capazes de educar a si mesmas e motivam-se a fazê-lo num contexto adequado. Mas as escolas públicas raramente oferecem esse contexto e também não educam os estudantes em tópicos de utilidade imediata, como sobreviver à infância, expressar emoções de modo saudável, desenvolver seus potenciais criativos individuais, tomar cuidados com a saúde ou cuidar de pessoas doentes, lidar com violência de gênero, abuso doméstico ou alcoolismo, combater o bullying, comunicar-se com os pais, explorar sua sexualidade de uma maneira respeitosa, encontrar um emprego e um apartamento ou viver sem dinheiro, ou outras capacidades que jovens precisam para viver. Nas poucas aulas em que são ensinadas habilidades úteis – quase todas eletivas –, os estudantes são “guiados”. As garotas aprendem a cozinhar e costurar em trabalhos domésticos, enquanto os garotos, que provavelmente vão para empregos de colarinho azul (isto é, manuais), aprendem a trabalhar com madeira em lojas. É seguro dizer que a maior parte dos garotos termina o ensino médio [a high school, nos EUA, onde a escolarização vai até os 18 anos] sem saber cozinhar ou remendar suas roupas, enquanto a maioria das garotas e futuros trabalhadores de colarinho branco recebem o diploma sem saber consertar uma privada ou uma bicicleta, montar uma instalação elétrica, calcinar um muro ou trabalhar com madeira. Ainda, nas aulas de computação e tecnologia, o fato de que os estudantes geralmente sabem mais que os professores é uma clara indicação de que algo está errado com essa forma de educação. As escolas não ensinam às crianças nem mesmo as habilidades de que precisam para os péssimos empregos em que vão acabar trabalhando. As pessoas ensinam a si mesmas ou aprendem com amigas e companheiras: a escola da vida já é anarquista.
As mais importantes lições ensinadas pelas escolas sob o comando do Estado consistem em obedecer arbitrariamente a autoridade, aceitar a imposição das prioridades alheias em suas vidas e parar de sonhar acordado. Quando as crianças iniciam a escola, elas guiam-se por conta própria, têm curiosidade sobre o mundo em que vivem e acreditam que tudo é possível. Quando a terminam, são cínicas, autocentradas e têm o costume de dedicar quarenta horas semanais a atividades que não escolheram. Elas também tendem a ser deseducadas sobre muitas coisas: a não saber que a maior parte das sociedades humanas ao longo da história eram igualitárias e não tinham Estado, que a polícia só recentemente tornou-se uma instituição importante e supostamente necessária, que seu governo tem uma trajetória de tortura, genocídio e repressão, que seus estilos de vida estão destruindo o meio ambiente, que sua comida e água estão envenenadas, ou que há uma história de resistência esperando para ser descoberta em sua própria cidade.
Sua deseducação sistemática surpreende pouco, dada a história das escolas públicas. Embora as escolas públicas tenham sido desenvolvidas gradualmente a partir de vários precedentes, o regime de Otto von Bismarck é geralmente considerado como o primeiro a estabelecer um sistema escolar público nacional. Seu objetivo era preparar a juventude para carreiras na burocracia e no Exército, discipliná-la, instilar-lhe patriotismo e doutriná-la com a cultura e história de uma nação alemã que não existia anteriormente. O sistema escolar era uma das modernizações que permitiam que um grupo de províncias conflituosas entre si, algumas delas praticamente feudais, formassem um Estado que pudesse ameaçar o resto do continente – e grandes partes da África – dentro de uma geração.
Em resposta, vários teóricos anarquistas começaram a desenvolver escolas não-hierárquicas nas quais os professores serviriam como ajudantes para os estudantes aprenderem e explorarem os assuntos que escolhessem. Alguns desses experimentos anarquistas na educação foram chamados nos EUA de Modern Schools [Escolas Modernas], seguindo o modelo da Escuela Moderna do anarquista espanhol Francisco Ferrer. Essas escolas ajudaram a educar milhares de estudantes e desempenharam papéis importantes nos movimentos anarquista e trabalhista. Em 1911, pouco tempo depois da execução de Ferrer na Espanha, a primeira Escola Moderna nos EUA foi fundada em Nova Iorque por Emma Goldman, Alexander Berkman, Voltairine de Clyere e outros anarquistas. Vários artistas e escritores famosos ajudaram a ensinar lá, e, entre os pupilos, estava o fotógrafo e cineasta Man Ray. Ela durou algumas décadas, eventualmente deixando Nova Iorque num período de intensa repressão política, tornando-se o centro de uma comuna rural.
Mais recentemente, anarquistas e outros ativistas nos EUA organizaram “escolas livres”. Algumas delas são aulas temporárias ad hoc, enquanto outras são escolas organizadas. Uma delas, a Escola Livre de Albany, existe há mais de trinta e dois anos nessa cidade. Essa escola antiautoritária está comprometida tanto com a justiça social quanto com a educação – ela oferece ensinos de escalas variáveis e não exclui ninguém por motivos financeiros. A maior parte das escolas experimentais são acessíveis somente à elite, mas o corpo discente da Escola Livre de Albany é diverso, com muitas crianças pobres do subúrbio. A escola não tem currículo ou aulas obrigatórias, operando de acordo com a seguinte filosofia: “Confie nas crianças e elas aprenderão”. Porque quando você confia às crianças a sua chamada “educação” – que, afinal de contas, não é uma coisa, mas uma ação presente – elas aprenderão continuamente, cada uma em seu modo e ritmo próprios. A Escola Livre ensina as crianças até o oitavo ano, e recentemente abriu uma escola de ensino médio, a Escola Livre Harriet Tubman. Ela organiza uma pequena horta orgânica na cidade que fornece outra importante oportunidade de aprendizado para os estudantes. Eles também trabalham em projetos de serviço comunitário como sopas populares e creches. Apesar de limitações financeiras e de outras naturezas, as escolas tiveram bastante sucesso.
Nossa reputação com estudantes que estão lutando acadêmica e/ou comportamentalmente, e cujas necessidades o sistema não conseguiu suprir, é tanta que um crescente número de crianças estão vindo a nós, tendo sido diagnosticadas anteriormente com TDAH [Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade] e tratadas com ritalina e outras medicações biopsiquiátricas. Seus pais nos procuram preocupados com os efeitos colaterais das drogas e porque ouvem que nós trabalhamos com efetividade com essas crianças sem drogas ou coisas do tipo. Nosso ambiente ativo, flexível e individualmente estruturado torna as drogas totalmente desnecessárias.[14]
O MST, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, no Brasil, teve a educação como uma de suas prioridades nos assentamentos criados em terras ocupadas. Entre 2002 e 2005, o MST afirma ter ensinado mais de 50 mil trabalhadores sem terra a ler; 150 mil crianças estão em mil e duzentas escolas construídas nos assentamentos; além disso, mais de mil educadores foram treinados. As escolas do MST são independentes do controle estatal, de modo que as comunidades têm o poder de decidir o que suas crianças aprendem e podem desenvolver métodos alternativos de educação, assim como currículos livres de valores racistas, patriotas e capitalistas que fazem parte da educação pública. O governo brasileiro reclama que se ensina nos assentamentos que organismos geneticamente modificados são um risco à saúde humana e ao meio ambiente, o que sugere que lá a educação é muito mais exata que nas escolas geridas pelo Estado. As escolas do MST nos assentamentos focam na alfabetização e usam os métodos de Paulo Freire, que desenvolveu a pedagogia do oprimido. Em São Paulo, o MST construiu uma universidade autônoma que treina agricultores escolhidos pelos assentamentos. Em vez de se ensinar, por exemplo, sobre o agronegócio, como uma universidade capitalista faria, ensina-se sobre agricultura familiar com uma crítica das técnicas exploradoras e ambientalmente destrutivas predominantes na agricultura contemporânea. Para outros cursos técnicos, o MST também ajuda as pessoas a conseguir formação em universidades públicas, embora geralmente ganhem a colaboração de professores de esquerda para oferecer mais aulas críticas do mais alto calibre, permitindo inclusive que criem seus próprios cursos. Enfatiza-se em todas essas formas de educação que é responsabilidade dos estudantes usar o que aprenderam para sua comunidade e não para proveito individual.
O Movimiento Campesino de Santiago del Estero (o MOCASE, sediado na Argentina) é um grupo formado por agricultores, muitos deles quéchuas, com similaridades e conexões com o MST. O movimento começou como um grupo de agricultores em luta pela terra frente à expansão das companhias silvicultoras do Norte Global, e reúne oito mil famílias em 58 comunidades ativas em um largo espectro de lutas. Trabalhando juntamente com a Universidad Transhumante, foi criada uma Escola de Agricultores para ajudá-los a aprender as habilidades necessárias para a autogestão. Os estudantes também aprendem a ensinar para poder ajudar a treinar outros agricultores. A Universidad Transhumante é interessante por si só. Ela é uma universidade de educação popular, também inspirada por Freire, que organiza uma caravana que dura o ano inteiro e percorre oitenta cidades pela Argentina, levando oficinas de educação popular e aprendendo sobre os problemas que as pessoas enfrentam.[15] Fora do controle estatal, a educação não precisa ser uma coisa estática e fixa: ela pode ser uma ferramenta de empoderamento, como quando as pessoas aprendem a ensinar, podendo assim passar adiante as lições que aprenderam, em vez de depender permanentemente de uma classe de educadores profissionais. Ela pode ser uma ferramenta de libertação, como quando as pessoas aprendem sobre autoridade e resistência e estudam como tomar o controle de suas vidas. Ela pode ser uma caravana, um circo, como quando as pessoas viajam por um país, mas, em vez de levar espetáculos engaiolados, levam novas ideias e técnicas. Ela também pode ser uma ferramenta de sobrevivência, como quando pessoas oprimidas aprendem sobre suas histórias e preparam-se para o futuro.
Em 1969, ativistas nativos-americanos, organizados sob o nome “Índios de Todas as Nações”, ocuparam a abandonada ilha de Alcatraz, citando uma lei norte-americana esquecida que garantia que os povos indígenas tinham o direito de ocupar qualquer terra que a nação colonizadora tivesse abandonado. Por seis meses, a ocupação contou com centenas de pessoas e, apesar de a maioria ter ido embora por causa de um bloqueio governamental, a ocupação acabou durando dezenove meses, revitalizando a cultura indígena e rejeitando o controle colonial. Durante o período inicial, a ocupação indígena organizou uma escola que ensinava história e cultura indígena da sua própria perspectiva, sem a propaganda racista que enche os livros didáticos das escolas governamentais. A educação foi então usada como um meio de renovação cultural; antes, era usada contra os indígenas para destruir sua identidade e inserir os sobreviventes do genocídio na civilização que os colonizou.

E a tecnologia?

Muitas pessoas consideram que a complexidade da tecnologia moderna e o alto nível de integração entre a infraestrutura e a produção nos tempos atuais tornam a anarquia um sonho do passado. Na realidade, essa visão tem alguma sustentação. No entanto, não é tanto a complexidade da tecnologia que está em desacordo com a criação de uma sociedade anarquista, mas o fato de que a tecnologia não é neutra. Como bem colocou Uri Gordon, o desenvolvimento da tecnologia reflete os interesses e necessidades da camada dominante da sociedade; assim, a tecnologia dá forma ao mundo exterior de modo a reforçar a autoridade e desencorajar a revolta.[16] Não é coincidência que o armamento nuclear e infraestrutura de energia nuclear forjem a necessidade de uma organização militar centralizada e de alta segurança e agências de gerenciamento de desastres com poderes emergenciais e com a capacidade de suspender direitos constitucionais; ou que rodovias interestaduais permitam o rápido deslocamento de tropas militares e estimulem o transporte de mercadorias e as viagens em automóveis particulares; ou que novas fábricas demandem trabalhadores sem habilidade, e portanto substituíveis, que não conseguem manter o emprego até sua aposentadoria – assumindo que o patrão quisesse conceder esse tipo de benefício –, porque, dentro de alguns anos, lesões laborais geradas pela repetição de tarefas ou pelo ritmo inseguro – porque muito rápido – da linha de produção os deixarão incapazes de continuar trabalhando.
Os subsídios e a infraestrutura fornecidos pelo governo tendem a favorecer invenções que aumentam o poder estatal, geralmente para o azar de todas as outras pessoas: aviões de guerra, sistemas de vigilância ou mesmo a construção de pirâmides no Egito Antigo. Mesmo as formas mais benevolentes de apoio governamental a invenções, como os subsídios estatais à pesquisa médica, vão, no melhor dos casos, para criar tratamentos que são patenteados por corporações, sem nenhum escrúpulo por deixar morrer as pessoas que não podem pagar por eles – a mesma ausência de escrúpulos de quando se torturam e matam milhares de animais na fase de testes da pesquisa.
As demandas por liberdade confrontam-nos com uma escolha muito mais profunda do que simplesmente mudar nossas estruturas de tomada de decisões. Teremos que desmontar fisicamente muito do mundo em que vivemos e construí-lo novamente. A liberdade, assim como o equilíbrio ecológico do planeta – e, portanto, nossa própria sobrevivência –, é incompatível com a energia nuclear, com a dependência de combustíveis fósseis como petróleo e carvão e com uma cultura do automóvel que cria cisões no espaço público e fomenta um sistema de comércio no qual a maior parte das mercadorias não é produzida localmente.
Essa transformação exigirá muita inventividade; assim, a questão relevante é: um movimento social e uma sociedade anarquistas serão inventivos o suficiente para levar a cabo essa transformação? Acho que a resposta é sim. Afinal, as ferramentas mais úteis na história humana foram inventadas antes que o governo e o capitalismo surgissem.
Diz-se que o chamado “livre mercado” capitalista motiva a inovação e que competição pelo mercado contribui para a proliferação de invenções rentáveis, que não são necessariamente invenções úteis. A competição capitalista prevê que em poucos anos, todos os antigos aparelhos eletrônicos vão se tornar obsoletos à medida que novos serão inventados, de modo que as pessoas terão de jogar fora seus antigos para comprar novos – em detrimento do meio ambiente. Por causa dessa “obsolescência planejada”, poucas invenções tendem a ser bem feitas ou bem pensadas, já que estão destinadas desde o início a virarem lixo.
A doutrina da propriedade intelectual impede a disseminação de tecnologias úteis, permitindo, pelo contrário, o seu controle ou retenção, de acordo com o que é mais rentável. As pessoas que fazem apologia ao capitalismo argumentam tipicamente que a propriedade intelectual estimula o desenvolvimento tecnológico porque dá segurança, como incentivo, de que as pessoas poderão lucrar com as suas invenções. Que tipo de cretino inventaria algo socialmente útil se não recebesse o crédito exclusivo e lucrasse com isso? Mas as bases tecnológicas do nosso mundo foram desenvolvidas por grupos de pessoas que deixaram as suas invenções difundirem-se livremente e não levaram o crédito por elas – tudo, desde o martelo até instrumentos musicais de corda, passando pela domesticação dos grãos.
Na prática, a própria economia capitalista fornece contraexemplos à suposição de que a propriedade intelectual fomenta a inovação. Assim como qualquer tipo de propriedade, a propriedade intelectual geralmente não pertence a quem a produz: muitas invenções são feitas por escravos assalariados em laboratórios, os quais não recebem o crédito pela invenção nem ficam com o lucro, uma vez que seus contratos estipulam que a corporação em que trabalham tem a propriedade das patentes.
As melhores pessoas para desenvolver inovações úteis são aquelas que as necessitam, não precisando de governo ou do capitalismo para ajudá-las. As próprias anarquistas têm uma rica história de inventar soluções para os problemas que enfrentam. Assaltantes de banco anarquistas, como o Bando Bonnot, inventaram o carro de fuga. Makhno, o anarquista ucraniano, foi o primeiro a usar metralhadoras altamente móveis – ele as montou em tatchankis, as carroças de tração equina usadas pelos camponeses, com efeitos devastadores contra inimigos de mais força que usavam táticas convencionais. Na Espanha revolucionária, depois de expropriar os grandes latifundiários, coletivizar a terra e libertar-se da necessidade de produzir uma única cultura para exportação, os agricultores melhoraram a saúde do solo e aumentaram a sua autossuficiência promovendo a interplantação – especificamente, cultivando espécies tolerantes à sombra debaixo de laranjeiras. A Federação Regional de Camponeses de Levante, na Espanha, criou uma universidade agrícola, enquanto outros coletivos agrícolas fundaram um centro para o estudo das doenças das plantas e o cultivo de árvores.
Nas terras altas da Nova Guiné, milhões de agricultores vivem em altas densidades populacionais em vales montanhosos íngremes; as suas comunidades não possuem Estado, utilizam o consenso e, até relativamente pouco tempo, não tinham contato com o Ocidente. Apesar de parecerem pessoas primitivas da Idade da Pedra para os europeus racistas, elas desenvolveram um dos mais complexos sistemas agrícolas do mundo. Suas técnicas são tão precisas e numerosas que levam anos para serem aprendidas. Cientistas ocidentais, centrados em si mesmos, ainda não conhecem as bases de muitas dessas técnicas, que eles provavelmente chamariam de superstição. Pelos últimos sete mil anos, os habitantes dessa região praticaram uma forma dinâmica de agricultura sustentável em resposta aos impactos ao seu meio ambiente, os quais poderiam ter levado sociedades menos inovadoras ao colapso. Entre os seus métodos estão formas complexas de irrigação, retenção de solo e interplantação. Esses povos não têm chefes e tomam suas decisões em longas discussões comunitárias. Eles também desenvolveram todas as suas técnicas sem governo e sem o capitalismo, através de inovações individuais e coletivas difundidas livremente dentro de uma sociedade ampla e descentralizada.[17]
Muitas pessoas ocidentais poderiam pensar que quem não usa ferramentas de metal não conseguiria prover um modelo de sofisticação tecnológica. Esse cinismo, entretanto, é insuflado pelas mitologias e superstições euro-americanas. Tecnologia não é luzes piscantes e aparelhos eletrônicos. Tecnologia é adaptação. Adaptando um complexo conjunto de técnicas que lhes permitiram satisfazer as suas necessidades sem destruir o seu meio ambiente por mais de sete mil anos, os agricultores de Nova Guiné conseguiram algo de que a civilização ocidental nunca sequer esteve perto.
Há ainda muitos exemplos anarquistas para a multidão impressionada pelas luzes piscantes. Considere a recente proliferação da tecnologia de código aberto [open source, que é quase equivalente ao software livre]. Redes descentralizadas que envolvem milhares de pessoas trabalhando aberta, voluntaria e cooperativamente criaram algumas das melhores formas de softwares complicados dos quais a economia da Era da Informação depende. O método usual das grandes corporações é manter o código, ou a fonte, de seus softwares em sigilo e também patenteá-lo; o código aberto, por outro lado, prevê o compartilhamento do código, de modo que qualquer pessoa pode revisá-lo e melhorá-lo. Como resultado, ele é geralmente muito melhor e mais fácil de ser arrumado. O software patenteado tradicional é mais vulnerável a travamentos e vírus, porque só um grupo pequeno de cérebros tem permissão para procurar falhas e resolver os problemas. Aquele pessoal do suporte técnico para quem você liga quando o sistema operacional do seu computador trava também não pode ver o código e, além de procurar erros e falhas superficiais, o máximo que ele pode fazer é indicar a você um embaraçoso “remendo” [“patch”] ou aconselhar uma formatação do seu disco rígido e a reinstalação do sistema operacional. Pessoas que usam os produtos da Microsoft, por exemplo, estão sem dúvida familiarizadas com falhas frequentes; Ao mesmo tempo, defensores da privacidade alertam sobre a existência de spywares e sobre a cooperação entre corporações e o governo. Como disse uma pessoa envolvida na criação de software de código aberto: “a melhor propaganda para o Linux é a Microsoft”.
Tradicionalmente, boa parte dos softwares de código aberto não era especialmente amigável ao usuário, embora isso tenha a ver com o fato de que o código aberto habite uma subcultura geek e seus usuários típicos sejam conhecedores profundos de computação. Entretanto, o código aberto e a tecnologia participativa estão se tornando aos poucos acessíveis a uma quantidade de pessoas sem precedentes, em comparação com o software proprietário. A Wikipédia fornece um exemplo dessa questão. Iniciada recentemente, em 2001, em um software de código aberto para Linux, ela já é a maior e mais acessada enciclopédia do mundo, com mais de dez milhões de artigos em mais de 250 idiomas. Ao invés de ser o domínio exclusivo de especialistas pagos, ela é escrita por qualquer pessoa, já que todas podem criar e editar um artigo. Ao permitir essa abertura e confiança, a Wikipédia fornece um fórum instantâneo para a revisão da comunidade. Os interesses da comunidade maior da Wikipédia, que conta com milhões de usuárias, cumpre uma função autorreguladora, de modo que o vandalismo (isto é, edições com informações falsas) é rapidamente desfeito; além disso, exigem-se fontes dos fatos citados nos artigos. Os artigos da Wikipédia valem-se de um corpo de conhecimentos muito maior do que o pequeno e geralmente elitista círculo representado pela academia. Em um teste cego dentro de um estudo realizado com revisão dos pares, ela foi considerada tão exata quanto a Encyclopædia Britannica.[18]
A Wikipédia é “auto-organizativa” e editada por um corpo aberto de administradores eleitos pelos usuários.[19] Houve alguns casos de sabotagem intencional, como quando o programa de comédia The Colbert Report reescreveu um artigo da Wikipédia para uma piada em seu programa, apesar de isso ter sido rapidamente desfeito, como costuma ocorrer com a maior parte da informação falsa no site. Um problema mais complicado é colocado por corporações que utilizam a Wikipédia para relações públicas, pagando gente para manter uma imagem limpa da empresa nos artigos sobre ela. Entretanto, interpretações contraditórias dos fatos podem ser registradas no mesmo artigo, e a Wikipédia veicula muito mais informação sobre crimes corporativos do que qualquer enciclopédia tradicional.

Como vão funcionar as trocas?

Há muitas formas diferentes de troca que poderiam funcionar em uma sociedade sem Estado e anticapitalista, dependendo do tamanho, da complexidade e das preferências da sociedades. Muitas dessas formas são muito mais efetivas do que o capitalismo para assegurar uma distribuição justa dos bens e evitar que as pessoas ganhem mais do que sua justa parcela. O capitalismo criou mais desigualdade no acesso aos recursos do que qualquer outro sistema econômico na história humana. Mas os princípios do capitalismo que os economistas doutrinaram o público a aceitar como leis não são universais.
Muitas sociedades usaram e usam tradicionalmente a economia da dádiva, a qual pode tomar muitas formas diferentes. Em sociedades com alguma estratificação social, as famílias mais ricas mantêm seu status dando presentes, promovendo banquetes esbanjadores e espalhando sua riqueza; em alguns casos, elas arriscam ser alvo da ira alheia se não são generosas o suficiente. Outras economias da dádiva são pouco estratificadas, ou nem o são; as pessoas participantes simplesmente não possuem o conceito de propriedade, dando e tomando a riqueza social livremente. Colombo observou maravilhado que os primeiros povos indígenas que encontrou no Caribe não tinham um senso de propriedade e davam intencionalmente tudo o que tinham; de fato, davam presentes para saudar seus estranhos visitantes. Numa sociedade como essa, ninguém podia ser pobre. Agora, depois de centenas de anos de genocídio e desenvolvimento capitalista, muitas partes das Américas têm algumas das maiores desigualdades de riqueza do mundo.
Na Argentina, pessoas pobres começaram uma imensa rede de trocas que cresceu enormemente depois do colapso econômico em 2001, tornando as formas capitalistas de troca sem função. O sistema de troca evoluiu desde encontros para realizar escambo até uma imensa rede que envolvia, estima-se, três milhões de pessoas intercambiando bens e serviços – qualquer coisa, desde artesanato, comida e roupas feitas em casa até aulas de idiomas. Até mesmo médicos, fabricantes de produtos diversos e algumas ferrovias participaram. Estima-se que dez milhões de pessoas eram sustentadas pela rede de trocas em seu auge.
O clube de trocas facilitava os negócios desenvolvendo um sistema de crédito e moeda. À medida que a rede crescia e a crise capitalista se aprofundava, a rede enfrentava vários problemas, como pessoas – geralmente de fora da rede – que roubavam ou forjavam a moeda. Alguns anos depois, quando a economia havia sido estabilizada com o Presidente Kirchner, o clube de trocas encolheu, mas ainda manteve uma imensa quantidade de membros, levando em conta que era uma economia alternativa num país que um dia havia sido um modelo para o capitalismo neoliberal. Ao invés de desistir, os membros remanescentes desenvolveram várias soluções para os problemas que enfrentaram, como somente aceitar produtores como membros, de modo que a rede só seja usada por gente que contribui com ela.
Anarquistas contemporâneos dos EUA e Europa estão experimentando outras formas de distribuição que vão além da troca. Um projeto anarquista popular é a “loja livre” ou “loja passe-adiante”. Lojas livres servem como pontos de concentração de itens doados ou retirados do lixo que as pessoas não precisam mais, como roupas, comida, móveis, livros, discos e inclusive – mas mais raramente – geladeiras, televisões ou carros. A clientela é livre para andar pela loja e levar o que precisa. Muitas pessoas acostumadas com uma economia capitalista que vão a uma loja livre ficam perplexas com como ela pode funcionar. Tendo crescido com uma mentalidade de escassez, elas assumem que, como pegar coisas dá lucro e doá-las não dá, uma loja livre rapidamente ficaria vazia. Entretanto, isso quase nunca ocorre. Muitas lojas livres operam sustentavelmente e a maior parte transborda de bens ofertados. De Harrisonburg, em Virgínia, até Barcelona, na Catalunha, centenas de lojas livres desafiam diariamente a lógica capitalista. A Weggeefwinkel, loja “passe-adiante” em Groningen, na Holanda, funcionou em uma ocupação por mais de três anos, abrindo duas vezes por semana para repassar roupas, livros, móveis e outros itens gratuitamente. Outras lojas livres captam recursos quando precisar pagar o aluguel, o que não seria problema numa sociedade completamente anarquista. Lojas livres são um recurso importante para pessoas pobres, que ou não têm emprego dentro dessa fantasia do livre mercado ou têm um emprego – ou dois, ou três – e, mesmo assim, não conseguem comprar roupas para seus filhos.
Um exemplo de mais alta tecnologia de trocas livres é a relativamente conhecida e muito bem sucedida rede Freecycle. A Freecycle é uma rede global formada originalmente por um grupo ambientalista sem intenção de lucro para promover a doação de produtos que acabariam no lixo. No momento desta escrita, ela tinha mais de quatro milhões de membros organizados em 4.200 seções locais espalhadas por cinquenta países. Num site, circula uma grande quantidade de roupas, móveis, brinquedos, artes, ferramentas, bicicletas, carros e outros muitos produtos. As pessoas podem escolher quais produtos precisam e quais vão doar. Uma das regras da Freecycle é de que tudo tem de ser gratuito: nem trocado por escambo, nem vendido. A Freecycle não é uma organização controlada centralizadamente; seções locais estabelecem-se por conta própria, baseadas num modelo comum, e usam o site no qual esse modelo se baseia.
No entanto, como é de se esperar que ocorra com um grupo liberal sem intenção de lucro e também sem aspirações revolucionárias ou qualquer crítica ao capitalismo e ao Estado, a Freecycle tem alguns problemas. Na realidade, a organização aceita patrocínio corporativo de uma grande companhia de reciclagem e o presidente teria freado a expansão da ideia da Freecycle ao atacar vários grupos membros ou sites similares com processos ou ameaças de processo por violação de marca registrada e também ao colaborar com grupos notoriamente autoritários do Yahoo! para fechar seções locais por não aderirem às regras de organização no que diz respeito a logotipo e linguagem. Naturalmente, em uma sociedade anarquista não haveria processos por violação de marca registrada e um presidente não poderia tiranizar uma rede mantida por milhões de pessoas. Enquanto isso, a Freecycle demonstra que economias da dádiva podem funcionar mesmo dentro de sociedades ocidentais individualistas e saturadas, e podem tomar novas formas com a ajuda da internet.

E as pessoas que não quiserem largar seu estilo de vida consumista?

Mesmo que uma revolução anticapitalista crie novas relações e valores sociais, assim como liberte os desejos das pessoas do controle da publicidade, algumas delas provavelmente ainda iriam querer manter um estilo de vida consumista – demandando entretenimento eletrônico, comidas exóticas importadas e outros luxos que o (neo)colonialismo lhes oferece atualmente. Ao tornar rotina o ato de ir a uma loja, pegar a sua carteira e comprar uma cômoda de mogno ou uma barra de chocolate, o capitalismo cria a ilusão de que os seres humanos possuem naturalmente a capacidade de obter bens de luxo que na realidade são produzidos por escravos em outro continente. De fato, isso exige uma infraestrutura massiva e muitas instituições de governo e de colonialismo para proporcionar esse privilégio a umas poucas e seletas pessoas. Após uma revolução anarquista, os campos de trabalho escravo que atualmente produzem a maior parte do chocolate e da madeira do mundo não existiriam mais.
Se uma pessoa ou um grupo quiser se cercar com os bens de consumo que ainda desejam, elas serão perfeitamente livres para fazê-lo; entretanto, sem uma força policial para constranger outras pessoas a suportarem os custos ambientais e trabalhistas de seu estilo de vida, elas mesmas teriam que obter os recursos, realizar a produção e dar conta da poluição. É claro que elas poderiam tornar o processo mais eficiente ao se especializar em um bem de consumo: por exemplo, uma união de chocolateiros poderia produzir chocolate que respeitasse o meio ambiente – sem prejuízos ecológicos para o resto da sociedade – e trocar parte do chocolate por, digamos, equipamentos de entretenimento visual produzidos por uma união de viciados em televisão. Por que não? Em última análise, entretanto, todo esse trabalho e responsabilidade pessoal talvez não combinassem com a mentalidade consumista; o resultado final seria uma união de produtores. Quando as pessoas têm de tomar responsabilidade por todos os custos de suas próprias ações, o isolamento patológico das consequências – no qual se apoiam os desejos capitalistas – acaba sendo destruído. O resultado são desejos ponderados e maduros.
Em revoluções anarquistas e em sociedades capitalistas sem Estado ao longo da história, as pessoas usavam o que podiam produzir ou negociar com as sociedades próximas. Nas tomadas de fábricas na Argentina, várias fábricas ocupadas começaram a negociar seus produtos entre si, permitindo que os trabalhadores tivessem acesso a uma variedade de produtos manufaturados. Em muitos coletivos da Revolução Espanhola de 1936, as comunidades decidiam juntas quanto e que tipo de consumo elas poderiam permitir-se coletivamente, substituindo salários por cupons que podiam ser trocados por produtos na despensa comunal. Todas as pessoas tinham voz na determinação de quantos cupons um indivíduo podia obter e de que tipo. Também havia liberdade para negociar os cupons com outras pessoas, de modo que uma pessoa que preferia mais de um certo produto como, digamos, roupas, podia obter mais trocando os cupons por algo que não se importava de perder, como ovos. Portanto, não há imposição de uma uniformidade espartana como ocorre em alguns estados comunistas; as pessoas são livres para seguir o estilo de vida que querem, mas somente se puderem pessoalmente sustentar os custos dele. Elas não podem explorar outras, roubar seus recursos ou envenenar suas terras.

E a construção e a organização de uma infraestrutura ampla e espalhada?

Muitos livros de história ocidentais afirmam que o governo centralizado surgiu da necessidade de se construírem amplos projetos de infraestrutura, especialmente de irrigação. Entretanto, essa afirmação baseia-se na suposição de que essas sociedades precisam crescer e que não podem escolher limitar sua escala para evitar a centralização – uma suposição que já foi muito contestada. E, como projetos de irrigação de grande escala requerem alguma coordenação, a centralização desponta como a única forma de coordenação.
Na Índia e no leste da África, sociedades locais construíram redes de irrigação massivas que eram administradas sem governo ou centralização. Na região dos montes Taita, no atual Quênia, foram criados complexos sistemas de irrigação que duraram centenas de anos, até as práticas agrícolas coloniais acabarem com eles. As famílias compartilhavam víveres de uso diário, cada uma sendo responsável pela seção mais próxima da infraestrutura de irrigação, que era de propriedade comum. Um outro costume levava as pessoas a se reunirem periodicamente para efetuar consertos: o “trabalho harambee” era um forma de trabalho socialmente motivado similar a tradições em outras sociedades descentralizadas. O povo dos montes Taita assegurava um uso justo através de vários arranjos sociais passados adiante pela tradição, que determinavam quanta água cada casa podia tomar; aquelas que violassem essas práticas sofriam sanções do resto da comunidade.
Quando os britânicos colonizaram a região, eles achavam que tinham mais conhecimento que os locais e instalaram um novo sistema de irrigação – feito, obviamente, para rentabilizar a produção de commodities – baseado no seu conhecimento de engenharia e de energia mecânica. Durante a seca da década de 1960, o sistema britânico falhou e muitos habitantes locais retornaram ao sistema tradicional de irrigação para conseguir abastecimento. De acordo com um etnólogo, “os trabalhos de irrigação do leste da África parecem ter sido mais amplos e mais bem administrados durante a era pré-colonial”.[20]
Durante a Guerra Civil Espanhola, os trabalhadores das fábricas ocupadas coordenaram uma economia inteira. Organizações anarquistas que serviram de instrumento para fazer a revolução, especialmente a CNT, geralmente acabavam fornecendo as bases para a nova sociedade. Na cidade industrial de Barcelona, principalmente, a CNT forneceu sua estrutura para uma economia controlada pelos trabalhadores – uma tarefa para a qual ela se preparava havia anos. Cada fábrica organizava-se com seus próprios trabalhadores técnicos e administrativos; as fábricas da mesma indústria organizavam-se na Federação Local daquela indústria; e todas as Federações Locais de uma localidade organizavam-se em um Conselho Econômico Local “no qual todos os centros da produção e dos serviços eram representados”; e os Conselhos e Federações Locais organizavam-se nas respectivas Federações Nacionais de Indústria e Federações Econômicas Nacionais.[21]
O congresso de todos os coletivos catalães, realizado em 28 de agosto de 1937 em Barcelona, fornece um exemplo de suas atividades de coordenação e de decisão. As fábricas de calçados coletivizadas precisavam de crédito de dois milhões de pesetas. Por causa de uma escassez de couro, foi preciso cortar horas de trabalho dos funcionários, ainda que eles recebessem salário integral. O Conselho Econômico estudou a situação e relatou que não havia excedente de calçados. O congresso concordou em garantir crédito para comprar couro e modernizar as fábricas para diminuir os preços dos calçados. Posteriormente, o Conselho Econômico esboçou planos para construir uma fábrica de alumínio, que era necessária durante a guerra. Foram localizados materiais disponíveis, foi assegurada a cooperação de químicos, engenheiros e técnicos e decidiu-se coletar o dinheiro por meio dos coletivos. O congresso também decidiu mitigar o desemprego urbano elaborando um plano que definia que os trabalhadores do campo passariam a cultivar novas áreas com o auxílio de trabalhadores desempregados das cidades.
Em Valência, a CNT organizou a indústria da laranja, com 270 comitês em diferentes cidades e vilarejos para cultivar, comprar, empacotar e exportar; nesse processo, ela se livrava de alguns milhares de intermediários. Em Laredo, a indústria da pesca foi coletivizada – os trabalhadores expropriaram os barcos, excluíram os intermediários que ficavam com todo o lucro e usaram os lucros para melhorar as embarcações e outros equipamentos, ou para pagar a si mesmos. A indústria têxtil da Catalunha empregava 250 mil trabalhadores em dezenas de fábricas. Durante a coletivização, eles se livraram dos diretores, que recebiam altos salários, aumentaram seus salários em 15%, reduziram sua jornada de 60 para 40 horas semanais, compraram novas máquinas e elegeram comitês de administração.
Na Catalunha, trabalhadores libertários mostraram resultados impressionantes na manutenção do complexo de infraestrutura da sociedade industrial que tomaram. Os trabalhadores, que sempre foram os responsáveis por essas funções, provaram-se capazes de levar adiante e inclusive de melhorar seu trabalho na ausência de patrões. “Sem esperar ordens de ninguém, os trabalhadores restauraram o serviço telefônico em três dias [após o fim de uma pesada batalha]... Depois desse trabalho emergencial, um encontro geral de trabalhadores da telefonia decidiu coletivizar o sistema telefônico”.[22] Os trabalhadores votaram a favor do aumento dos salários dos membros que recebiam menos. Serviços de gás, água e eletricidade também foram coletivizados. A administração coletiva da água abaixou a tarifa em 50%, mantendo, ainda assim, uma contribuição para o comitê da milícia antifascista. Os ferroviários coletivizaram as vias férreas e trabalhadores experientes substituíram os técnicos que haviam fugido. Os substitutos provaram-se adequados, apesar de não terem escolarização formal, porque haviam aprendido através da experiência de trabalho com os técnicos como manter as linhas.
Trabalhadores do transporte municipal de Barcelona – dos 7 mil totais, 6,5 mil eram membros da CNT – pouparam bastante dinheiro ao expulsar os diretores e outros administradores que ganhavam muito. Depois disso, reduziram sua jornada para 40 horas semanais, aumentaram seus salários entre 60% (para os que ganhavam menos) e 10% (para os que ganhavam mais), e ajudaram a população inteira ao diminuir o preço da passagem e dar passe livre a estudantes e membros da guerrilha feridos. Além disso, efetuaram reparos em equipamentos e ruas destruídas, limparam barricadas, logo colocaram o sistema de transporte em operação, cinco dias depois que as lutas cessaram em Barcelona, e organizaram uma frota de setecentos bondes pintados de vermelho e preto – mais que os seiscentos que circulavam antes da revolução. Em sua organização:
os vários profissionais coordenavam e organizavam seu trabalho em um sindicato industrial de todo os trabalhadores do transporte. Cada seção era administrada por um engenheiro indicado pelo sindicato e por um trabalhador indicado pelo corpo geral de membros. As delegações de várias seções coordenavam operações em uma dada área. Enquanto as seções tinham reuniões separadas para conduzir as suas operações específicas, as decisões que afetavam os trabalhadores em geral eram tomadas em reuniões gerais.
Os engenheiros e técnicos, ao invés de ficarem fechados num grupo de elite, integravam-se com os trabalhadores manuais. “O engenheiro, por exemplo, não podia levar a cabo um projeto importante sem consultar os outros trabalhadores; não somente porque as responsabilidades eram divididas, mas também porque, em problemas práticos, os trabalhadores manuais tinham a experiência que geralmente faltava aos técnicos”. O transporte público em Barcelona também alcançou uma maior autossuficiência: antes da revolução, 2% dos suprimentos para manutenção eram fabricados pela companhia e o resto era comprado ou importado. Um ano depois da coletivização, 98% dos suprimentos para reparos eram fabricados em lojas coletivizadas. “O sindicato também oferecia serviços médicos gratuitos, como acesso a clínicas e tratamento doméstico para os trabalhadores e suas famílias”.[23]
Os revolucionários espanhóis também tiveram experiências com Bancos Camponeses, Bancos de Trabalho e Conselhos de Crédito e Troca. A Federação de Coletivos de Camponeses de Levante criou um banco organizado pelo Sindicato dos Bancários para ajudar agricultores a conseguir um grande conjunto de recursos sociais necessários para certos tipos de plantio que requerem muita infraestrutura ou recursos. O Banco Central de Trabalho de Barcelona transferia o crédito de coletivos prósperos para coletivos socialmente úteis que estivessem em necessidade. Transações em dinheiro eram mínimas e o crédito era transferido como crédito. O Banco de Trabalho também realizava negócios com o exterior, importando e comprando matérias-primas. Quando possível, o pagamento era realizado em mercadorias, não em dinheiro. O banco era uma empresa sem intenção de lucro e cobrava somente 1% de juros para custear as suas despesas. Diego de Abad de Santillan, o economista anarquista, disse, em 1936: “o crédito será uma função social, não uma especulação ou usura privada. (...) Ele será baseado nas possibilidades econômicas da sociedade e não em juros ou lucros. (…) O conselho de Crédito e Trocas será como um termômetro dos produtos e necessidades do país”.[24] Nessa experiência, o dinheiro funcionava como um símbolo de apoio social e não como símbolo de propriedade – ele significava recursos sendo transferidos entre uniões de produtores ao invés de investimentos feitos por especuladores. Dentro de uma economia industrial complexa, esses bancos tornam as trocas e a produção mais eficientes, embora ainda apresentem um risco de centralização ou de reemergência do capital como força social. Além disso, considerar produção e trocas eficientes como um valor deve ser visto com suspeitas, no mínimo, por quem se interessa por libertação.
Há vários métodos que poderiam evitar que instituições como bancos de trabalho permitam o retorno do capitalismo, mas, infelizmente, os ataques de totalitarismo tanto dos fascistas quanto dos comunistas impediram que as anarquistas espanhóis tivessem a chance de desenvolvê-los. Entre eles, estão a criação de tarefas rotativas e misturadas para evitar a emergência de uma nova classe gerencialista, o desenvolvimento de estruturas fragmentadas que não possam ser controladas em um nível central ou nacional, a promoção do máximo de descentralização e simplicidade e a manutenção de uma forte tradição que sustente que os recursos e instrumentos comuns não podem ser vendidos.
Entretanto, enquanto o dinheiro permanece sendo um fato central da existência humana, uma miríade de atividades humanas é reduzida a valores quantitativos. Esse valor pode ser concentrado em forma de poder, alienado, dessa forma, da atividade que o criou: em outras palavras, ele pode ser convertido em capital. Naturalmente, anarquistas discordam na questão de como encontrar um ponto de equilíbrio entre a prática e a perfeição, mas estudar todas as possibilidades, incluindo aquelas que podem estar fadadas ao fracasso, sempre ajuda.

Como funcionarão as cidades?

Muitas pessoas acreditam que uma sociedade anarquista poderia funcionar na teoria, mas que o mundo moderno apresenta muitos obstáculos que impedem uma libertação total. Cidades grandes são as maiores representantes dessas supostas pedras no caminho. Sociedades capitalistas são uma maçaroca de burocracias que supostamente só continuam operando pelas mãos das autoridades. Mas a manutenção de uma cidade grande não tem tudo aquilo de mistificação quanto somos levados a acreditar. Algumas das maiores cidades do mundo são compostas em grande parte por bairros pobres auto-organizados que se estendem por quilômetros. A sua qualidade de vida deixa muito a desejar, mas eles mostram que as cidades não entram simplesmente em colapso na ausência de especialistas.
Anarquistas têm alguma experiência em manter cidades grandes; a solução parece residir na tomada da organização e da infraestrutura pelos trabalhadores de serviços de manutenção – serviços pelos quais eles já são responsáveis – e na formação de assembleias de bairro de modo que quase todas as decisões possam ser tomadas em níveis locais nos quais todas as pessoas possam participar. É provável que uma revolução anarquista seja acompanhada por um processo de desurbanização, ao mesmo tempo que as cidades encolherão para tamanhos mais administráveis. Muitas pessoas provavelmente retornarão à terra à medida que a agricultura industrial diminuirá ou acabará, sendo substituída por uma agricultura sustentável – ou “permacultura” – que possa sustentar uma maior densidade populacional em áreas rurais.
Nesse período, talvez seja necessário criar novos arranjos sociais apressadamente, mas não será a primeira vez que anarquistas terão formado uma cidade ou vilarejo do zero. Em maio de 2003, enquanto os enviados dos oito principais governos do mundo preparavam-se para o encontro do G8 em Evian, na França, o movimento anticapitalista montava uma série de vilarejos interligados para servirem como base para protestos e como um exemplo de vida coletiva e anticapitalista. Eram os VAAAG (Village Alternatif Anticapistalist et Anti-Guerres – Vilarejo Alternativo Anticapitalista e Antiguerras). Durante a mobilização, milhares de pessoas viveram nesses vilarejos, organizando a alimentação, moradia, o cuidado das crianças, fóruns de debate, mídia e serviços legais, tomando decisões de modo comum. O projeto foi amplamente considerado como um sucesso. O VAAAG também exibia a forma dual de organização sugerida acima. “Bairros” específicos, cada um com menos de duzentas pessoas, organizavam-se em torno de uma cozinha comunitária, enquanto serviços do vilarejo inteiro – espaços coletivos entre os bairros, como espaços legais e médicos – eram organizados pelas pessoas envolvidas no provimento desses serviços. Essa experiência foi repetida durante as mobilizações de 2005 contra o G8 na Escócia e nas mobilizações de 2007 no norte da Alemanha, quando cerca de seis mil pessoas conviveram no Acampamento Reddelich.
Esses vilarejos de protesto tiveram seus precedentes no movimento antinuclear alemão da geração anterior. Quando o Estado quis construir um grande complexo de armazenamento de lixo nuclear em Gorleben, em 1977, os agricultores locais começaram a protestar. Em maio de 1980, cinco mil pessoas montaram um acampamento no local, construindo uma pequena cidade com as árvores cortadas, chamada de República Livre de Wendland. Elas emitiram seus próprios passaportes, fizeram programas de rádios ilegais, imprimiram jornais e promoveram debates públicos para decidir como gerir o acampamento e responder às agressões policiais. A comida era compartilhada e não era usado dinheiro na vida cotidiana. Um mês depois, oito mil policiais atacaram o vilarejo, que decidiu resistir não-violentamente. Eles apanharam brutalmente e foram expulsos. Depois disso, as manifestações do movimento antinuclear acabaram pendendo menos para o pacifismo.[25]
Na Inglaterra, um festival de viajantes e hippies que se reuniam anualmente em Stonehenge para marcar o solstício de verão do hemisfério norte tornou-se uma importante zona autônoma contracultural e um experimento de “anarquia coletiva”. O Festival Livre de Stonehenge [Stonehenge Free Festival] teve sua primeira edição em 1972 como um encontro durante o mês de junho até o solstício. Mais que um festival de música, era um espaço não-hierárquico para a criação de música, arte e novas relações, assim como de exploração espiritual e psicodélica. Ele tornou-se um ritual e evento social essencial na crescente cultura de viajantes da Inglaterra. Em 1984, reuniu 30 mil participantes que criaram um vilarejo mensal que durou um mês. Nas palavras de um participante, o festival foi “anarquia, e funcionou”.[26] O regime de Thatcher viu-o como uma ameaça; em 1985, o 14º Festival Livre de Stonehenge foi proibido. A polícia atacou as centenas de pessoas que se reuniram para o evento, no que ficou conhecido como Batalha de Beanfield.
Esses exemplos de acampamentos improvisados não são tão marginais quanto parecem à primeira vista. Centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo vivem em cidades organizadas informalmente, algumas vezes chamadas de vilas ou favelas, que são auto-organizadas, criadas por conta própria e autossustentáveis. As questões sociais colocadas pelas favelas são muito complexas. Milhões de agricultores são forçados a cada ano a deixar suas terras e se mudar para as cidades, onde a periferia é o único lugar em que conseguem morar; mas muitas outras pessoas também se mudam para a cidade por vontade própria para escapar de áreas rurais de cultura rígida e construir uma vida nova. Muitas favelas enfrentam problemas de saúde causados por falta de acesso a água potável, assistência de saúde e nutrição. Entretanto, muitos desses problemas são próprios do capitalismo, não da estrutura de favelas, visto que seus habitantes geralmente são inventivos o suficiente para sustentar-se apesar dos recursos artificialmente limitados.
Água e eletricidade privatizadas são geralmente muito caras, e, mesmo nos locais onde esses recursos são públicos, as autoridades geralmente restringem seu acesso aos assentamentos informais. As pessoas que moram nesses lugares acabam com esse tipo de problema construindo seus próprios poços e fazendo gatos na rede de eletricidade. A assistência médica é altamente profissionalizada em sociedades capitalistas e distribuída em troca de dinheiro, não da necessidade por ela; consequentemente, raramente há médicos bem treinados nas favelas. Mas a medicina popular e os curandeiros lá presentes geralmente estão disponíveis com base na ajuda mútua. O acesso à comida também é artificialmente limitado, porque a horticultura de pequena escala foi substituída pela produção em larga escala de gêneros lucrativos, privando as pessoas do Sul Global de diversas fontes de comida locais. Esse problema aumenta em áreas assoladas pela fome, já que a ajuda alimentar fornecida pelos EUA, que se dá em conjunto com estratégias militares e econômicas, consiste mais em importações do que em subsídio à produção local. Mas, dentro dos assentamentos, a comida disponível geralmente é compartilhada, e não comercializada. Um antropólogo estimava que, em um assentamento informal em Gana, as pessoas passavam adiante quase um terço de todos os seus recursos. Isso faz muito sentido. A polícia raramente tem o controle das favelas, e alguma força armada é necessária para sustentar uma distribuição desigual de recursos. Posto de outro modo, aquelas pessoas que acumulam recursos tem mais probabilidade de serem roubadas. Com poucos recursos, pouca segurança e nenhuma garantia do direito de propriedade, as pessoas conseguem viver melhor passando adiante uma grande parcela dos recursos que obtêm. Dar presentes aumenta a sua riqueza social: amizades e outras relações que criam uma rede de segurança que não pode ser alvo de roubos.
Além da ajuda mútua, os objetivos anarquistas como a descentralização, a associação voluntária, a produção própria ao invés da profissionalização de habilidades e serviços, e a democracia direta são princípios guiadores em muitas favelas. Também é importante notar que, numa era de crescente devastação ambiental, os moradores das favelas se sustentam com somente uma fração do percentual de recursos consumidos por moradores de outras partes da cidade. Alguns deles inclusive têm uma pegada ecológica negativa, já que reciclam mais lixo do que produzem.[27] Em um mundo sem o capitalismo, assentamentos informais teriam potencial para serem lugares mais saudáveis. Mesmo hoje em dia, eles contradizem os mitos capitalistas de que as cidades somente podem ser mantidas por especialistas e por uma organização central ou de que as pessoas só podem viver nos níveis atuais de população entregando suas vidas ao controle de autoridades.
Um exemplo inspirador de uma cidade informal é El Alto, na Bolívia. El Alto situa-se no altiplano andino, em maior altitude que La Paz, a capital. Algumas décadas atrás, El Alto era somente um vilarejo, mas, à medida que as mudanças econômicas globais causaram o fechamento de minas e o fim de pequenas fazendas, uma quantidade enorme de pessoas migrou para lá. Não tendo condições de morar em La Paz, elas construíram assentamentos, transformando o vilarejo em uma cidade com quase 850 mil habitantes. 70% da população que tem empregos lá ganha a vida com negócios de família numa economia informal. O uso da terra não é regulado e o Estado fornece pouca ou nenhuma infraestrutura: a maior parte dos bairros não tem ruas asfaltadas, serviço de coleta de lixo ou água encanada, 75% da população não possui assistência médica básica e 40% é analfabeta.<rewf>Emily Achtenberg, “Community Organizing and Rebellion: Neighborhood Councils in El Alto, Bolivia,” Progressive Planning, No.172, verão de 2007. </ref> Em face dessa situação, os moradores da cidade informal levaram a sua auto-organização um passo adiante criando conselhos de vizinhança, ou juntas. As primeiras juntas em El Alto remontam aos anos 1950. Em 1979, essas juntas começaram a coordenar-se através de uma nova organização, a Federación de Juntas Vecinales de El Alto, a FEJUVE. Hoje existem cerca de seiscentas juntas em El Alto. Elas permitem que as diferentes regiões da cidade reúnam recursos para criar e manter a infraestrutura necessária, como escolas, parques e utilidades básicas. Elas também mediam disputas e impõem sanções em casos de conflito e prejuízos sociais. A FEJUVE agrega os recursos das juntas para coordenar protestos e bloqueios e faz com que os moradores dessas regiões sejam uma força social. Até 2005, a FEJUVE teve um papel de protagonismo ao estabelecer uma universidade pública em El Alto, evitar novos impostos municipais e desprivatizar os serviços de água. A FEJUVE também foi um instrumento no movimento popular que forçou o governo a nacionalizar o gás natural.
Cada junta conta com pelo menos duzentas pessoas e reúne-se mensalmente, tomando decisões gerais através de discussões públicas e de consenso. Também é eleito um comitê que se reúne mais frequentemente e tem um papel administrativo. Líderes de partidos políticos, comerciantes, especuladores imobiliários e pessoas que colaboraram com a ditadura não são aceitas como delegados dos comitês. Há mais homens que mulheres nesses comitês; entretanto, há mais mulheres com papel de liderança na FEJUVE do que em outras organizações populares bolivianas.
Paralelamente à organização nos conselhos de bairro, há a organização de infraestrutura e da atividade econômica em sindicatos. Vendedores ambulantes e trabalhadores do setor de transporte, por exemplo, organizam-se autonomamente em seus próprios sindicatos.
Tanto os conselhos de bairro quanto as suas contrapartes na economia informal têm como modelo a organização comunitária tradicional de comunidades indígenas rurais (Ayllu), no que diz respeito a territorialidade, estrutura e princípios organizacionais. Eles também refletem a tradição de sindicatos radicais de mineiros, que, durante décadas, lideraram o movimento sindical na Bolívia. Fundindo essas experiências, os migrantes de El Alto reproduziram, transplantaram e adaptaram suas comunidades de origem para facilitar a sobrevivência num ambiente urbano hostil. (…) Por meio das juntas de bairro, El Alto desenvolveu uma cidade construída pelos próprios moradores e gerida por uma rede de microgovernos[28] independente do Estado. Na visão de Raúl Zibechi, a organização autônoma do trabalho no setor informal, baseada na produtividade e em relações entre as famílias – ao invés de relações entre chefes e trabalhadores – reforça esse senso de empoderamento: os cidadãos podem autogerir-se e controlar o seu próprio ambiente.[29]
Redes horizontais “sem lideranças tradicionais” também desempenham um papel importante, complementando essas estruturas formais tanto na organização da vida diária quanto na coordenação de protestos, bloqueios e lutas contra o Estado.
Agora que a Bolívia tem um presidente indígena [Evo Morales] e um governo progressista liderado pelo MAS [Movimiento Al Socialismo], a FEJUVE enfrenta o perigo da incorporação e da cooptação que tipicamente neutraliza os movimentos horizontais que têm objetivos e meios explicitamente anti-estatais. Durante a escrita deste texto, a FEJUVE apoiava as medidas de reversão de políticas neoliberais de Evo Morales, e, ao mesmo tempo, permanecia crítica do MAS e do governo, não se sabendo em que medida ela será cooptada pelo Estado.
Na África do Sul, há muitos outros exemplos de assentamentos urbanos informais que se organizam para criar uma vida melhor e lutar contra o capitalismo. Movimentos específicos de moradores de locais pobres geralmente têm origem em momentos de resistência violenta. As pessoas que se encontram nas ruas para evitar um despejo ou um corte de água continuam a se reunir para criar estruturas de cuidado para os doentes, combate a incêndios, patrulhas de segurança, serviços funerários, educação, jardinagem, coletivos de costura e distribuição de alimentos. Esse foi o caso do movimento Abahlali base Mjondolo, que surgiu em 2005 a partir de um bloqueio de uma rodovia para evitar a expulsão de um assentamento para as obras para a Copa do Mundo de 2010.
O assentamento Symphony Way [cujo nome se origina da rodovia às margens da qual ele se localiza, em Delft, na África do Sul] é uma comunidade composta por 127 famílias que foram expulsas à força de suas casas pelo governo, que tenta cumprir a meta, dentro dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, de erradicar todas as favelas do país até 2020. O governo realocou alguns dos despejados em um acampamento cercado por arame farpado e guardas armados e o resto deles em Áreas de Realocação Provisórias, descritas por um morador como “um lugar perdido no inferno” com alta taxa de crime e frequentes estupros de crianças.[30]
Recusando-se a negociar com partidos políticos nos quais ninguém confia ou viver nos infernos oferecidos pelo governo, as famílias do Symphony Way decidiram ocupar ilegalmente uma área às margens de uma rodovia para instalar sua comunidade. Sua organização envolve a realização de assembleias de massa das quais todas as pessoas participam, assim como o fomento de um alto grau de iniciativa individual. Por exemplo, Raise, uma enfermeira que mora no Symphony Way, é professora voluntária dentro do centro comunitário, ajuda a organizar uma equipe feminina de basquete e uma masculina de futebol, uma banda de percussão, um acampamento para as crianças durante as férias e também ajuda em partos. As crianças possuem muita importância dentro do assentamento, tendo inclusive seu próprio comitê para discutir os problemas com que se deparam. “No comitê, resolvemos nossos problemas cotidianos, como quando alguém briga e coisas assim. Reunimo-nos e conversamos. Há crianças de outros assentamentos, não só desta rodovia”, explica um membro do comitê. A comunidade é multirracial e multirreligiosa e reúne rastafáris, muçulmanos e cristãos, que trabalham em conjunto para construir uma cultura de respeito entre os diferentes grupos. Uma vigilância noturna no assentamento tenta evitar crimes antissociais e apagar possíveis incêndios. Os moradores contaram a um anarquista russo que os visitava que se sentiam muito mais seguros em sua comunidade do que se sentiriam em um dos acampamentos oferecidos pelos governo, onde o crime é desenfreado, porque no Symphony Way a comunidade trabalha em conjunto para proteger a si mesma. “Quando alguém está com problemas, todo mundo ajuda”, explicou Raise. O senso de comunidade é uma razão pela qual os moradores não querem ir para um acampamento governamental, apesar da ameaça de violência policial e de haver fornecimento gratuito de alimentos e água nos acampamentos do governo. “A comunidade é forte e nós a tornamos forte vivendo e trabalhando em conjunto, mas não nos conhecíamos quando chegamos aqui. Esse ano e meio nos fez uma grande família”.
Há milhares de exemplos de pessoas criando cidades, vivendo em altas densidades populacionais e satisfazendo suas necessidades básicas com recursos escassos, ajuda mútua e ação direta. Mas e o contexto maior? Como cidades densamente povoadas sustentam-se sem subjugar ou explorar o meio rural? É possível que a subjugação de áreas rurais pelas cidades tenha tido relevância na emergência do Estado, há milhares de anos. Mas as cidades não precisam ser tão insustentáveis como são atualmente. O anarquista Pietr Kropotkin, que viveu no século XIX, escreveu sobre um fenômeno que sugere possibilidades interessantes para cidades anarquistas. Horticultores urbanos em Paris e arredores forneciam a maior parte dos vegetais da cidade através de uma agricultura intensiva, com insumos como o esterco da cidade, assim como produtos industriais como vidros para estufas, que eram muito caros para agricultores em áreas rurais. Esses horticultores suburbanos viviam perto o suficiente da cidade para lá poderem vender seus produtos semanalmente no mercado. O desenvolvimento espontâneo desse sistema de horticultura foi uma das inspirações de Kropotkin ao escrever sobre cidades anarquistas.
Em Cuba, a agricultura centralizada industrial entrou em colapso após a queda do bloco soviético, que era o seu principal fornecedor de petróleo e maquinário. O subsequente aperto do embargo por parte dos EUA acabou piorando a situação. Em média, os cubanos emagreceram 9kg. Rapidamente, boa parte do país adotou uma agricultura urbana intensiva e de pequena escala. Em 2005, metade dos alimentos frescos consumidos pelos dois milhões de habitantes de Havana era produzida por cerca de 22 mil horticultores urbanos dentro da própria cidade.[31] O exemplo parisiense trazido por Kropotkin mostra que tal mudança também ocorre sem orientação estatal.

E as secas, fomes e outras catástrofes?

Os governos obtêm maior controle com os “poderes de emergência”, segundo a premissa de que uma maior centralização é necessária em uma emergência. Porém, pelo contrário, estruturas centralizadas são menos ágeis na resposta a situações caóticas. Estudos demonstram que, logo após desastres naturais, a maioria dos resgates é efetuada por pessoas comuns, não por especialistas do governo ou profissionais. Além disso, a maior parte da ajuda humanitária é oferecida por pessoas individuais, não por governos. A ajuda governamental geralmente facilita agendas políticas como apoiar aliados políticos contra seus adversários, disseminar alimentos geneticamente modificados e enfraquecer a agricultura local com imensas remessas de alimentos gratuitos rapidamente substituídos por importações comerciais que acabam monopolizando o mercado local em ruínas. Ainda nessa questão, uma parcela significativa do tráfico internacional de armas ocorre por trás do disfarce de carregamentos com ajuda governamental.
É possível que as pessoas estivessem em melhor posição nas catástrofes sem governos. Também podemos desenvolver alternativas efetivas à assistência governamental baseadas no princípio da solidariedade. Se uma comunidade anarquista é afetada por uma catástrofe, ela pode contar com a ajuda de outras. Enquanto que, num contexto capitalista, uma catástrofe é uma ocasião para formas de ajuda politicamente motivadas – se não de completo oportunismo –, anarquistas dão assistência livremente com a garantia de que haverá reciprocidade quando necessário.
A Espanha de 1936 fornece novamente um exemplo adequado. Em Mas de las Matas, assim como em outros lugares, o Comitê Cantonal (estadual) verificava onde havia escassez ou excesso de produtos e fazia arranjos para realizar uma distribuição igualitária. Parte de sua tarefa era assegurar que todos os coletivos recebessem ajuda na eventualidade de um desastre natural.
Por exemplo: este ano, as lavouras de Mas de las Matas, Seno e La Ginebrosa foram destruídas pelo granizo. Em um regime capitalista, esses desastres naturais teriam significado privações sem fim, dívidas pesadas, execuções de hipotecas e até a emigração de trabalhadores por alguns anos. Mas no atual regime de solidariedade libertária, essas dificuldades foram superadas pelos esforços do distrito inteiro. Provisões, sementes, (…) todo o necessário para reparar o dano foram fornecidos dentro do espírito de fraternidade e solidariedade – sem condições, sem contratação de débitos. A Revolução criou uma nova civilização![32]
O anarquismo é uma das poucas ideias revolucionárias que não requerem modernização; as sociedades anarquistas são livres para se organizarem em qualquer nível sustentável de tecnologia. Isso significa que as sociedades caçadoras-coletoras atualmente existentes ou grupos que escolhem adotar esse estilo de vida podem praticar essa forma mais eficiente e ecológica de subsistência, que também é a que melhor conduz a um ecossistema resiliente e menos vulnerável a desastres naturais.

Satisfazendo nossas necessidades sem fazer contas

O capitalismo produziu alguns dispositivos eletrônicos incríveis, mas o setor militar e a polícia são quase sempre os primeiros a utilizar as novas tecnologias e geralmente as pessoas mais ricas são as únicas a se beneficiarem delas. O capitalismo produziu uma riqueza nunca sonhada, mas que é acumulada por parasitas que não a produziram e que dominam os escravos e trabalhadores assalariados que a criaram. A competição pode parecer um princípio útil para estimular a eficiência – mas uma eficiência com que propósito? Apesar do que diz a mitologia que criou, o capitalismo na realidade não é um sistema competitivo. Os trabalhadores são divididos e jogam uns contra os outros, enquanto a elite coopera para manter seu domínio. Os mais ricos podem competir por maiores pedaços do bolo, mas regularmente acabam se dando as mãos para assegurar que o bolo seja assado e levado à mesa todos os dias. Quando o capitalismo ainda era um fenômeno novo, era possível descrevê-lo mais honestamente, sem a confusão das décadas de propaganda sobre suas supostas virtudes: Abraham Lincoln, dificilmente um anarquista, conseguia ver claramente que “capitalistas geralmente agem harmoniosamente e em combinação para espoliar o povo”.
Quando se trata de satisfazer a necessidade das pessoas e realizar uma distribuição justa dos bens, nota-se que o capitalismo falhou miseravelmente. Pelo mundo inteiro, milhões de pessoas morrem de doenças tratáveis porque não conseguem pagar os remédios que as salvariam, enquanto outras morrem de fome enquanto seus países exportam commodities vegetais. Sob o capitalismo, tudo está à venda – a cultura é uma mercadoria que pode ser manipulada para vender lingerie ou creme dermatológico, a natureza é um recurso que pode ser sugado até o fim e destruído em busca de lucro. As pessoas precisam vender seu tempo e energia para a classe dominante para comprar de volta uma fração do que produziram. Esse é um sistema profundamente enraizado que modela nossos valores e relações e reage contra a maior parte das tentativas de aboli-lo. As revoluções socialistas na URSS e na China não foram suficientemente a fundo: como nunca aboliram totalmente o capitalismo, ele re-emergiu, mais forte do que antes. Muitas tentativas anarquistas também não foram suficientemente a fundo; o capitalismo também poderia ter ressurgido nessas experiências se governos hostis não as tivessem esmagado antes.
O poder e a alienação precisam ser combatidos em suas raízes. Não é suficiente para os trabalhadores possuírem coletivamente suas próprias fábricas se permanecem sendo controlados por chefes e o trabalho ainda os reduz a máquinas. A alienação não é simplesmente a ausência de propriedade legal dos meios e dos resultados da produção – é a falta de controle sobre a relação das pessoas com o mundo. A propriedade de uma fábrica pelos trabalhadores não tem sentido se ela ainda é administrada por outros em seu proveito próprio. Os trabalhadores devem organizar-se e controlar a fábrica diretamente. E mesmo se eles controlam a fábrica diretamente, a alienação persiste onde as relações econômicas mais amplas – a fábrica em si – dita a forma que o trabalho toma. Uma pessoa pode ser realmente livre trabalhando em uma linha de produção em série, tendo sua criatividade negada e sendo tratada como máquina? A forma de trabalho em si precisa mudar para que as pessoas possam ir atrás das habilidades e atividades que lhes deem contentamento.
A separação entre o trabalho e as outras atividades humanas é uma das raízes da alienação. A própria produção torna-se um tipo de obsessão que justifica a exploração de pessoas ou a destruição do meio ambiente em favor da eficiência. Ao considerar a felicidade uma necessidade humana da mesma relevância que a alimentação e o vestuário, então a divisão entre atividades produtivas e não produtivas, entre trabalho e diversão, desaparece. O movimento de ocupações em Barcelona e a economia da dádiva de muitas sociedades indígenas fornecem exemplos de indistinção entre trabalho e diversão.
Em uma sociedade livre, a troca é simplesmente uma garantia simbólica de que todas as pessoas estão contribuindo para os recursos comuns – ninguém acumula recursos ou tira vantagem das outras pessoas porque é preciso dar para receber. Mas a troca pode apresentar problemas quando se atrela um valor quantitativo a cada objeto e experiência, separando-os de seu valor subjetivo.
Onde outrora um picolé valia uns deliciosos minutos de lambuzamento dos beiços ao sol e um livro valia algumas tardes de prazer e reflexão e até, possivelmente, um insight que pode mudar a vida da pessoa – depois que esses bens são avaliados conforme o regime de troca, um picolé vale um quarto de um livro. Ainda nesse processo, para tornar as trocas mais eficientes, ao fixar o valor quantitativo – ao invés de comparativo – como inerente ao produto, um picolé vale uma unidade de moeda e um livro vale quatro unidades de moeda. O valor monetário substitui o valor subjetivo do objeto – o prazer que as pessoas encontram nele. Por um lado, as pessoas e seus desejos são retirados da equação, enquanto, por outro lado, todos os valores – prazer, utilidade, inspiração – são absorvidos por um valor quantitativo, e o dinheiro em si torna-se um símbolo de todos esses outros valores.
Com efeito, ter dinheiro acabou simbolizando ter acesso a alegria e prazer ou satisfazer um desejo; mas o dinheiro, ao fixar um valor quantitativo, toma dos objetos o senso de satisfação que eles poderiam trazer, porque os humanos não experienciam o valor quantitativo e abstrato. Ao comer um picolé, o prazer está no ato – mas ao comprar uma mercadoria, o prazer está na aquisição, no momento mágico em que um valor abstrato é transformado em uma posse tangível. O dinheiro exerce uma influência tão poderosa nas noções de valor que o consumo em si nunca leva ao clímax: uma vez que a mercadoria é comprada, ela perde seu valor, especialmente à medida que as pessoas acabam priorizando o valor abstrato em vez do valor subjetivo. Além disso, ao comprar, você perde dinheiro e a sua posse total de valor simbólico diminui – daí o sentimento de culpa que acompanha o gasto de dinheiro.
Além da alienação, a troca cria poder-sobre: se uma pessoa acumula mais valor quantitativo, a ela cabe o direito a uma maior porção dos recursos comunitários. Sistemas de troca e monetários, como a rede de trocas na Argentina ou o sistema de cupons para adquirir bens em partes da Espanha anarquista, dependem de costumes e arranjos sociais para evitar a re-emergência do capitalismo. Por exemplo, uma economia da dádiva poderia funcionar num nível local, com as trocas sendo usadas somente para o comércio regional. As pessoas poderiam estabelecer intencionalmente ambientes que estimulassem o desenvolvimento pessoal, a criatividade, a diversão e a auto-organização, ao mesmo tempo em que federações descentralizadas desses locais de trabalho poderiam conceder cupons às pessoas para elas terem acesso à riqueza criada pelo coletivo.
Mas tentar reunir a troca e o sistema monetário é um desafio que não vale a pena. Dentro de lojas livres ou do Freecycle, a garantia simbólica provida pela troca ou pelo escambo é desnecessária. A garantia de que todas as pessoas contribuirão para a riqueza comum provém da cultura dos próprios espaços. Como participante, você expressa o desejo de dar e receber, e a sua inclusão no espaço social aumenta à medida que você realiza essas duas atividades. Nesses contextos, o ato de dar satisfaz uma pessoa tanto quanto o de receber.
O mundo tem abundância suficiente para satisfazer as necessidades de todas as pessoas. A escassez é uma ilusão perigosa que funciona como uma profecia que serve a si mesma. Quando as pessoas param de dar e começam a acumular, a riqueza coletiva diminui. Ao superarmos o medo da escassez, a própria escassez desaparece. Os recursos comuns serão fartos se todas as pessoas compartilharem e contribuírem – ou mesmo se a maioria delas fizer isso. As pessoas gostam de ser ativas, criar e melhorar as coisas. Se elas têm acesso assegurado aos recursos comuns e abrirem mão da pobreza do trabalho assalariado, elas criarão com sobra as coisas de que precisam e que lhes dão prazer – assim como a infraestrutura necessária para fazer e distribuir essas coisas.

Leitura recomendada

  • Sam Dolgoff, The Anarchist Collectives, Nova Iorque: Free Life Editions, 1974.
  • Natasha Gordon and Paul Chatterton, Taking Back Control: A Journey Through Argentina’s Popular Uprising. Leeds, Reino Unido: University of Leeds, 2004.
  • Michael Albert, Parecon: Life After Capitalism, Nova Iorque: Verso, 2003.
  • Peter Kropotkin, Fields, Factories and Workshops Tomorrow. Londres: Freedom Press, 1974.
  • Jac Smit, Annu Ratta e Joe Nasr, Urban Agriculture: Food, Jobs and Sustainable Cities, UNDP, Habitat II Series, 1996.
  • The Curious George Brigade, Liberate, Not Exterminate, Nova Iorque: CrimethInc., 2005.
  • Gonzalo Casanova, Armarse Sobre Las Ruinas: Historia del movimiento autónomo en Madrid (1985–1999). Madri: Potencial Hardcore, 2002.
  • Vários autores. Colectividades y Ocupación Rural, Madri: Traficantes de Sueños, 1999.
  • Marcel Mauss, The Gift: forms and functions of exchange in archaic societies. 1924 (Versão inglesa Londres: Routledge Press, 1990).
  • p.m. Bolo’Bolo. Zurique: Paranoia City Verlag, 1983.

Notas

  1. Ir para cima Melford E. Spiro, Kibbutz: Venture in Utopia, New York: Schocken Books, 1963, pp. 83–85.
  2. Ir para cima Gemma Aguilar, “Els okupes fan la feina que oblida el Districte,” Avui, sábado, 15 de dezembro de 2007, p. 43.
  3. Ir para cimaNatasha Gordon e Paul Chatterton, Taking Back Control: A Journey through Argentina’s Popular Uprising, Leeds (Reino Unidos): University of Leeds, 2004, p. 45.
  4. Ir para cima William Foote Whyte and Kathleen King Whyte, Making Mondragon: The Growth and Dynamics of the Worker Cooperative Complex, Ithaca, New York: ILR Press, 1988, p. 5.
  5. Ir para cimaMalcolm Gladwell, The Tipping Point: How Little Things Can Make a Big Difference. New York: Little, Brown, and Company, 2002, pp. 183–187.
  6. Ir para cima N.T.: Acrônimo proveniente da expressão inglesa “participatory economy”.
  7. Ir para cima Michael Albert, Parecon: Life After Capitalism, New York: Verso, 2003, pp. 104–105.
  8. Ir para cima Diana Denham and C.A.S.A. Collective (eds.), Teaching Rebellion: Stories from the Grassroots Mobilization in Oaxaca, Oakland: PM Press, 2008, interview with Tonia.
  9. Ir para cima Idem, interview with Francisco.
  10. Ir para cima Cahal Milmo, “On the Barricades: Trouble in a Hippie Paradise,” The Independent, 31 de maio de 2007.
  11. Ir para cimaTecnicamente, os humanos idosos têm uma função reprodutiva porque armazenam tipos obscuros de informação, como o modo de sobreviver a desastres naturais que ocorrem somente uma vez a várias gerações, e também porque podem servir para aumentar a coesão social aumentando a quantidade de relações existentes dentro da comunidade – por exemplo, o número de pessoas com os mesmos avós é muito maior que o número de pessoas com os mesmos pais. Entretanto, esses benefícios para a sobrevivência não são imediatamente óbvios e não há evidências de alguma sociedade humana que fizesse esses cálculos ao decidir alimentar ou não suas vovós. Em outras palavras, o fato de que avaliemos os benefícios dos idosos é um reflexo de nossa habitual generosidade social.
  12. Ir para cimaGaston Leval, Collectives in the Spanish Revolution, Londres: Freedom Press, 1975, p. 270.
  13. Ir para cimaNeille Ilel, “A Healthy Dose of Anarchy: After Katrina, nontraditional, decentralized relief steps in where big government and big charity failed,” Reason Magazine, dezembro de 2006.
  14. Ir para cimaSite da Escola Livre de Albany (acesso em 24 de novembro de 2006): www.albanyfreeschool.com
  15. Ir para cima Natasha Gordon e Paul Chatterton, Taking Back Control: A Journey through Argentina’s Popular Uprising, Leeds (UK): Universidade de Leeds, 2004, pp. 43–44.
  16. Ir para cimaVer o capítulo 5 em Uri Gordon, Anarquia Viva! Política Anti-autoritária da Prática para a Teoria, Desterro: Editora Subta, 2015.
  17. Ir para cima A descrição dos habitantes das terras altas da Nova Guiné consta no livro de Jared Diamond (Collapse: How Societies Choose to Fail or Succeed, Nova Iorque, Viking, 2005). Particularmente, o retrato de sua curiosidade, inteligência e humanidade presta um grande serviço para afastar do imaginário o estereótipo dos chamados povos primitivos como sendo macacos que grunhem ou bons selvagens.
  18. Ir para cima“Wikipedia survives research test,” BBC News, 15 de dezembro de 2005 news.bbc.co.uk
  19. Ir para cima“Editorial administration, oversight and management” Wikipedia, en.wikipedia.org
  20. Ir para cimaPatrick Fleuret, “The Social Organization of Water Control in the Taita Hills, Kenya,” American Ethnologist, Vol. 12, 1985.
  21. Ir para cimaSam Dolgoff, The Anarchist Collectives, Nova Iorque: Free Life Editions, 1974, p. 66.
  22. Ir para cimaIdem, p. 88.
  23. Ir para cimaTodas as frases e estatísticas do parágrafo vêm de Sam Dolgoff, The Anarchist Collectives, Nova Iorque: Free Life Editions, 1974, pp. 88–92.
  24. Ir para cimaIdem, pp. 75–76
  25. Ir para cimaGeorge Katsiaficas, The Subversion of Politics: European Autonomous Social Movements and the Decolonization of Everyday Life. Oakland: AK Press, 2006, pp. 84–85.
  26. Ir para cimaThe Stonehenge Free Festivals, 1972–1985. www.ukrockfestivals.com Acesso em 8 de maio de 2008.
  27. Ir para cimaThe Curious George Brigade, Anarchy In the Age of Dinosaurs, CrimethInc. 2003, pp. 106–120. A estatística sobre Gana aparece na página 115.
  28. Ir para cimaApesar de o autor deste trecho escolher o termo “governo”, o conceito subjacente não deve ser lido como o que é considerado governo na sociedade ocidental. Na tradição Ayllu, a liderança não é uma posição social privilegiada ou uma posição de comando, mas uma forma de “serviço comunitário”.
  29. Ir para cimaEmily Achtenberg, “Community Organizing and Rebellion: Neighborhood Councils in El Alto, Bolivia,” Progressive Planning, Nº 172, verão de 2007.
  30. Ir para cimaTodas as frases sobre o Symphony Way estão artigo de Daria Zelenova “Anti-Eviction Struggle of the Squatters Communities in Contemporary South Africa”, apresentado na conferência “Hierarchy and Power in the History of Civilizations,” na Academia Russa de Ciências, Moscou, junho de 2009.
  31. Ir para cimaOxfam America, “Havana’s Green Revelation,” www.oxfamamerica.org [acesso em 5 de dezembro de 2005]
  32. Ir para cimaSam Dolgoff, The Anarchist Collectives, Nova Iorque: Free Life Editions, 1974, pp. 163–164.

  • Tradução: Púcaro Búlgaro. É permitida a distribuição e a reprodução de trechos ou da integridade deste texto, desde que sem fins comerciais, citando a fonte e esta nota. É vedado qualquer outro uso ou distribuição desta tradução.

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