- Por Ramon Carlos
Nos meados do Século XIX, o Estado, o público e a crítica concordavam que a arte tinha um senso e intenção política e, portanto, pintar era um ato de coragem e também a ser temido e odiado sob essa hipótese.
Gustave Courbet nasceu no dia 10 de Junho de 1819 na França, estudou arte desde muito cedo e se tornou nos anos 1840 um respeitado artista. Com seu pioneirismo no que veio a se tornar o movimento artístico do Realismo, o qual apresentava uma mudança nos olhares da arte sobre o mundo - principalmente se levarmos em consideração os acontecimentos do século XIX na Europa, especialmente na França - de forma que o elitismo presente nas obras dos períodos anteriores, onde eram retratados apenas heróis mitológicos ou cenas religiosas, foram dando espaço às realidades árduas da vida cotidiana.
Contextualização Histórica
No final dos anos 1840, o fervor revolucionário da Europa de inúmeros caráteres, teve como principal ponto de ignição a crise econômica francesa, na qual é marcada pela queda de Luís Filipe, em 24 de fevereiro de 1848. A Assembleia Nacional de Maio de 1848, resultado das eleições nacionais solidificou o domínio da burguesia, afastando assim, Blanqui e o prolériado da cena pública.
Como escreveu Marx, à monarquia burguesa de Luís Filipe só pode suceder uma república burguesa. Mesmo com o levante popular em junho, na chamada Insurreição de Junho, a burguesia triunfou, alinhando-se a aristocracia financeira, ao exercito e a pequena burguesia. E aqui, a espinha dorsal da república burguesa parece solidificar-se.
Nas palavras do próprio Courbet, a República, concebida como uma só e indivisível, como autoridade única, fez as pessoas se assustarem; Socialismo, ainda insuficiente trabalhado, foi rejeitado e a reação de 1849 o varreu para longe, em favor de um regime monstruoso (que se seguiria pouco depois).
Em 10 de dezembro de 1848, Louis Bonaparte é eleito o primeiro presidente francês por votos direto. Em 1851, a constituição de maio de 48 foi dissolvida, e Louis Bonaparte – sobrinho de Napoleão Bonaparte, com o título de Napoleão III - assume o trono de Imperador Francês. O Outro 18 de Brumário.
Courbet e a retratação da vida comum
Já neste período, Courbet já era um artista subversivo. Sua obra não só colocava em evidência o cidadão comum, trabalhadores e camponeses, mas mostrava a decadência de uma burguesia mesquinha e suas falsas moralidades. Courbet fazia suas obras em grande escala, algo tradicionalmente dedicado aos trabalhos históricos ou religiosos, o que representa ainda mais essa mudança que trazia consigo. (Particularmente, gosto do fato de que várias obras de Courbet contêm um cachorro)
Em meio aos acontecimentos sociais da época, suas representações de uma classe média rural em seus assuntos de Ornans (que é vista em sua obra Jovens Mulheres da Vila), de trabalhadores braçais em Os quebradores de Pedra e sua representação de membros nunca retratados da sociedade da época (incluindo um cachorro, risos) em O Enterro, perturbaram sua audiência parisiense nos Salões.
Os Quebradores de Pedras |
Courbet era um rebelde. Fez sua própria amostragem, intitulada Pavilhão do Realismo, na qual expos mais de quarenta obras, além de sua famosa O Ateliê do Artista, na qual representa, ao lado esquerdo, toda a variedade social, explorados e exploradores, rebeldes e trabalhadores. À direita, seus amigos e admiradores e, ao centro, a si mesmo pintando uma paisagem de sua terra natal, acompanhado de uma mulher que representa a verdade nua de sua arte e uma criança admirando a obra (que juntos representam, para Courbet, a verdadeira Arte).
O Ateliê do Artista |
Sua arte pôs em cheque a crença da alta burguesia artística da “Arte pela Arte”, de que a arte deve apenas ser orientada pela estética, e deixar de lado as questões sociais, morais – uma contemplação superficial e estéril. Nas palavras de Proudhon, grande amigo de Courbet, “arte sem aliar-se à filosofia, à ciência, ao mundo, faz desenvolver certa noção absolutista da liberdade” e adiciona: “o gênio jamais se produz isolado: tem seus precedentes, sua tradição, suas ideias acumuladas, suas faculdades ampliadas e tornadas mais enérgicas pela fé intensa das gerações; não pensa sozinho, num individualismo solitário.”
Proudhon retratado pro Courbet |
A Comuna de Paris
Durante a década de 1850, Courbet se pôs contra a autoridade do Estado - não pela primeira vez - ao recusar publicamente a concessão da Legião de Honra, declarando sua independência de qualquer forma de governo. Desde a época de sua criação, as imagens realistas de Courbet - dos operários oprimidos em Os quebradores de Pedras à burguesia rural de Ornans - provocaram associações políticas, mas o envolvimento de fato do artista com a política foi bastante complexo.
Amigo de Proudhon, importante anarquista francês, desde antes de sua arte ser reconhecida, nutriram um bom relacionamento. Proudhon entendia que a arte dos românticos e dos clássicos se prenderam à uma arte do passado, a uma submissão ao idealismo cristão. Para ele, a arte deve questionar o mundo presente e para isto deve ocupar-se das mesmas matérias que a filosofia, “a variedade imensa das ações e paixões humanas, dos preconceitos e crenças, das condições e das castas, da família, da religião, da cidade, a comédia doméstica, a tragédia do fórum, a epopeia nacional, as revoluções” - Do princípio da arte e de sua destinação social (1865).
Mesmo se considerando um “republicano de nascimento” e não tendo pego em armas em 1848, por seu viés pacifista (já em seu período mais criativo), entrou definitivamente nos eventos políticos que sucederam a guerra Franco- Prussiana. Após a derrota francesa, com o rendimento de Napoleão III e sob um iminente avanço das tropas prussianas e pelo cerco formado, a resistência popular da Comuna de Paris foi um marco na história das lutas populares - a primeira república proletária da História.
Courbet desempenhou um papel significativo na vida política de Paris, especialmente na comuna. Em 1871, ele escreveu em uma carta à família:
Eu sou, graças ao povo de Paris, com a política até o pescoço […] Paris é um verdadeiro paraíso! Sem polícia, sem disparates, sem acusações de qualquer tipo, não importa o quê, tudo em Paris funciona como um relógio, oh, se pudesse ficar assim para sempre.
Courbet teve várias funções dentro da Comuna de Paris, a qual se referia de “lindo sonho”.Um sonho onde as fábricas eram transferidas para cooperativas populares, os prédios vazios eram requisitados para moradia, além de iniciar um projeto político para que o povo pudesse se autogovernar.
O artista ainda foi responsável por criar a Federação dos Artistas, cujo principal objetivo era declarar um manifesto que pedia a liberdade de expressão e igualdade, bem como o fim da interferência do governo nas artes.
Mas, como sabemos, o governo socialista da comuna teve vida curta. Após o governo Francês – transferido para Versalhes – ter feito um acordo de paz com o Império Alemão, sob o comando de Thiers, mais de 100 mil soldados foram encarregados de esmagar a comuna.
Após a queda da Comuna, Courbet foi condenado à prisão por seis meses. Quando ele saiu, ele não tinha mais nada. Sua casa foi tomada. O pintor não tinha dinheiro, nem casa, e ele só viu um terrível pesadelo. Em 1873, fugiu para o exílio na Suiça, onde morreu 6 anos depois de viver em um sonho.
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