Sobre as armas - Armamento e Lobby - Estado Alterado

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Sobre as armas - Armamento e Lobby


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- Por Ramon Carlos

“Atirador abre fogo em boate gay em Orlando e deixa 50 mortos e 53 feridos”. “Atiradores matam 14 pessoas em San Bernardino, California”. “Atirador abre fogo em universidade do Oregon e deixa 10 mortos”. “Maior ataque a tiros da história dos EUA mata 59 e fere 500 (QUINHENTOS) em Las Vegas”. E mais recentemente, “Ex-aluno mata de 19 anos, mata 17 pessoas com uma AR-15, na Flórida”.

Já sabemos que o assunto sobre o desarmamento ou controle sobre armas é polémico. Manchetes como estas citadas acima são, infelizmente, mais comuns do que parece, já que desde dezembro de 2012, só nos EUA, foram mais de 1.606 ataques, que levaram a óbito 1829 e deixaram mais de 6.447 feridos. Um número assustador, quase 26 ataques POR MÊS (até fevereiro de 2018). [1]

Garantidos pela Segunda Emenda à Constituição dos Estados Unidos, o direito da população a manter e portar armas, os Estados Unidos possuem 283 milhões de armas portadas por civis (90 a cada 100 habitantes), porém, apenas cerca de 40% dos americanos declara ter, no mínimo, uma arma. Existem mais de 50 mil lojas legalizadas para a venda de armamento onde um rifle pode custar até US$ 1.500, e sua munição (556) apenas 40 centavos a unidade. [2]

Existem 10 tipos de pessoas que não podem se aplicar ao porte de armas: Criminosos, fugitivos, toxicômanos, imigrantes ilegais, doentes mentais, pessoas que renunciaram à cidadania norte-americana, pessoas sob ordens de restrição, pessoas condenadas por violência doméstica e qualquer pessoa acusada de um crime que poderia trazer mais de um ano na prisão não são elegíveis.

O lobby da indústria armamentista americana sempre teve grande influência na política interna e externa do país. Segundo uma pesquisa do Instituto Pew, o “controle” vence o “direito de portar” por 51% a 45%, porém, os defensores do porte são muito mais ativos politicamente e, na mesma pesquisa, 23% destes já doaram dinheiro às instituições dedicadas a influenciar o debate, contra apenas 5% dos defensores do “controle”.[3] A NRA (National Rifle Association), que possui mais de 5 milhões de membros e outros milhares que os apoiam, foi um dos grandes protagonistas durante a campanha presidencial americana, declarando, e exigindo de seus membros, apoio a Trump. [4]

Para se ter uma noção, em 2016, a NRA gastou mais de US$ 4 milhões em lobby e mais de US$ 50 milhões financiando políticos, sendo US$ 30 milhões para a campanha de Donald Trump.



Outros Países

Países como a Austrália, Alemanha e Inglaterra, após incidentes com armas, tomaram atitudes bem diferentes, banindo o porte particular de pistolas (UK), multas para quem portar ou manter armas em ambiente inseguro (Alemanha) ou baniram totalmente a venda de fuzis automáticos (Austrália).

No Japão, para uma pessoa adquirir uma arma, é preciso assistir aulas, fazer uma prova escrita e obter 95% de acertos em uma prova de tiro ao alvo, além de exames psicológicos, é claro. Isto talvez ajude a explicar o porquê do país, em 2014, ter registrado apenas 6 mortes por arma de fogo, contra quase 34 mil mortes nos Estados Unidos, no mesmo período. Outro dado que contrasta com os EUA é o número de armas a cada 100 habitantes, sendo 0.6 japoneses contra 90 americanos. [5]

Na lista de países com maior número de armas para cada 100 habitante, estes são os 5 primeiros: EUA (90), Iémen (61), Finlândia (55), Suíça (46), Iraque (39). [6] O Brasil tem 8.8 armas a cada 100. Como é fácil perceber, são países bem diferentes culturalmente entre si, sendo dois deles, países árabes. No Iémen, 84% dos homicídios são cometidos com armas de fogo, na Finlândia (em 2012) 19,2% apenas. [7][8] Vale lembrar que o Iémen se encontra em guerra civil, e a Finlândia, com um dos maiores IDHs do mundo, já teve ataque semelhante aos ataques americanos, onde um jovem de 18 anos matou 8 estudantes nos arredores de sua capital. Na Suiça, 25% das armas pertencem ao exército, e também já teve incidentes envolvendo atiradores, além de ser a campeã mundial em suicídios por arma de fogo, com mais de 3400 suicídios entre 1996 e 2005. [9] O Canadá reduziu suas taxas de suicídio proporcionalmente junto à redução da posse de armas.

E o Brasil?

Na contrapartida, temos o Brasil, décimo país mais desigual do mundo, que registrou quase 60.000 homicídios em 2015, onde mais da metade tinham entre 15 e 29 anos, e que o porte de armas é muito mais restrito que o norte americano, e segundo revela o Atlas da violência de 2017, a cada 100 pessoas assassinadas, 71 são negras, o que retrata muito da situação racista de nossa sociedade desigual. [10]

No Brasil, principalmente dentro da internet, se discute muito sobre o armamento. “O cidadão de bem deve estar armado para se defender”, eles dizem. O que talvez poucos saibam, é que cerca de 17 milhões de brasileiros possuem arma e, em 2012, 95% dos homicídios foram cometidos com arma de fogo. [11]

Quer dizer então que um cidadão no Brasil está indefeso perante o crime? Vamos analisar alguns dados e refletir. Em São Paulo, em uma pesquisa com base em 2013 e 2014, 7 a cada 10 policias mortos estavam de folga, e 70% destes, estavam armados. [12] Talvez esse seja um dos motivos de sempre se ouvir da própria polícia “nunca reaja à um assalto”.

Para as eleições de 2014, 70% dos parlamentares que receberam verba da indústria bélica se elegeram (a tal bancada da bala) [13], totalizando quase R$ 2 milhões de reais em doações, que elegeram 21 deputados (de 12 partidos) em 15 estados, sendo que metade destes recursos giraram em torno do PMDB e DEM, dos estados de RS e SP.

De certa forma, armar a população com a desculpa de se “proteger” é assinar atestado de incompetência como Estado, em proteger a população, ou pior, criar o mito de que o problema de segurança pública no Brasil não é reflexo da sua desigualdade, da falta de amparo do Estado para com as periferias, mas uma mera questão de ser mais forte que o bandido. Isso sem contar que nas áreas de maior criminalidade e vulnerabilidade, a população não acredite que mais armas sejam a solução, e que 75% dos entrevistados não se sentiria mais seguro com uma arma. [14]

Outro fator importante, é que 78% das armas ilegais apreendidas foram produzidas no Brasil, e 64% destas armas apreendidas com criminosos foram fabricadas antes de 2003, período onde qualquer pessoa com mais de 21 anos poderia portar armas em locais públicos (sim, estamos falando do Brasil), o que significa que ainda sofremos consequências de quando a legislação era mais branda quanto ao porte. [15]

Um estudo feito pela Universidade de Harvard, mostra que armas raramente são usadas como autodefesa e acabam servindo como aliadas de crimes domésticos, além de serem utilizadas com frequência como forma de intimidação. [16] A impressão que se tem é de que o brasileiro classe média, aquele com acesso à internet e gosta de memes, o baladeiro “top”, quer armas como poder de intimidação, pra poder botar na cara do sujeito no trânsito, ou com alguém que lhe “olhou torto”.

Comparações entre armas de fogo com “carros também matam”, ou aquele velho bordão “armas não matam ninguém, quem matam são as pessoas”, são clássicas. Se formos usar esta falsa simetria, podemos dizer que a bomba atômica Norte Coreana também é inofensiva, uma vez que a arma em si é inanimada. Vale lembrar da utilidade das coisas. Um carro não foi construído com o intuito de matar alguém. Automóveis foram feitos para facilitar o transporte e locomoção de um ponto A para um ponto B. Mortes no trânsito têm inúmero fatores envolvidos, diferentemente de uma arma, cuja função é única e exclusivamente ferir.

Portanto, temos de refletir muito bem sobre a questão do armamento, e se realmente é disso que o Brasil precisa (e pelo visto, não parece).

Ah, e um lembrete: Como socialistas revolucionários, por que devemos nos importar se a propriedade das armas é ilegal pelo Estado burguês? O estado existe para proteger os interesses capitalistas e perpetuar o modo de produção capitalista. Seja ou não propriedade de armas, legal ou não, é irrelevante, porque se um ato revolucionário (seja através de partidos ou não) se tornar suficientemente grande para representar uma ameaça revolucionária, seus direitos de arma serão revogados de qualquer maneira.

Referencias
[1] http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/06/veja-quais-sao-os-piores-massacres-de-atiradores-ocorridos-nos-eua.html
[2] http://www.bbc.com/portuguese/internacional-41501743
[3] http://www.people-press.org/2017/06/22/public-views-about-guns/#total
[4] http://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2016/noticia/2016/05/nra-lobby-das-armas-dos-eua-anuncia-apoio-oficial-trump.html
[5] http://www.bbc.com/portuguese/internacional-38530919
[6] pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_pa%C3%ADses_por_quantidade_de_armas_de_fogo
[7] http://www.gunpolicy.org/firearms/region/yemen
[8] http://www.gunpolicy.org/firearms/region/finland
[9] https://www.swissinfo.ch/por/um-triste-recorde–suic%C3%ADdios-com-armas-de-fogo/8256788
[10] http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/2/2017
[11] http://www.gunpolicy.org/firearms/region/brazil
[12] http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/06/1893332-7-em-cada-10-policiais-mortos-em-sp-estavam-fora-de-servico-aponta-estudo.shtml
[13] http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/industria-reduz-em-r-1-mi-doacoes-a-bancada-da-bala
[14] http://cdn.rawgit.com/pesquisaR/resultados/v2.0/pesquisa3.html
[15] http://www.estadao.com.br/noticias/geral,o-lobby-das-armas,1595619
[16] https://www.hsph.harvard.edu/hicrc/firearms-research/gun-threats-and-self-defense-gun-use-2/