Texto original Por Edgard Silva* para a Federação Anarquista Gaúcha (FAG)
É a atividade de resguardar a livre organização da classe trabalhadora e sua capacidade de (re)criação permanente que pode promover um novo sujeito coletivo e social.
Caminho áspero e penoso, mas único. Trabalhos,
dores, duras batalhas até ao fato inicial, a destruição dos privilégios
políticos e econômicos da burguesia; penosos esforços e árdua labuta depois, na
laboriosa edificação de um mundo novo, e na luta constante contra os germens de
uma possível degeneração.
Neno
Vasco
Ao longo de sua história, a classe trabalhadora desenvolveu
e aperfeiçoou inúmeros métodos de luta e organização para fazer frente aos
desmandos dos patrões e do Estado. Marchas e demonstrações públicas, obstrução
de vias públicas, ocupação de locais públicos ou privados, greves, dentre
diversas outras criações imaginárias e autônomas que constituem uma trajetória de
sonhos, esperanças, conquistas, vitórias e também de derrotas, de perdas de
inestimáveis companheiros.
Entre todos estes métodos, a greve
historicamente se destacou por seu peculiar dinamismo e capacidade de marcar
uma ofensiva dos trabalhadores aos seus algozes. Por melhores salários e,
sobretudo, por melhores condições de trabalho, especialmente pela redução da
jornada de trabalho sem redução de salários, a classe trabalhadora desenvolveu
uma rica experiência histórica que deve ser recorrida e resguardada por todos
aqueles que acreditam na necessidade de sua emancipação do jugo dos opressores.
Sob a bandeira de 8 horas de trabalho, 8 horas de lazer e 8 horas de descanso,
a classe trabalhadora vivenciou suas mais memoráveis batalhas.
O criativo dinamismo que proporciona a
greve é, sobretudo, sua capacidade de exigir da classe trabalhadora uma ação em
conjunto, solidária e que seja capaz de se articular através de diversos
métodos. Na greve temos a oportunidade de assumir nosso destino pelas nossas
próprias mãos, sem confiá-lo aos “chefes” de turno, aos espíritos avarentos das
estruturas de poder do Estado, das patronais e seus instrumentos de propaganda
ideológica e produção de consensos: os grandes meios de comunicação. É no
momento em que os trabalhadores param que, pela primeira vez, estes mesmos
espíritos avarentos se dão conta de que sem o nosso suor podem ser reduzidos a
sua insignificância histórica. Por isso sua fúria, sua ira descontrolada que
procura nos atacar, intimidar e assediar das formas mais covardes e vis
possíveis. Em linhas gerais, se encontram desesperados por verem as bases de
seu velho mundo desrespeitadas. Nas greves os trabalhadores têm a oportunidade
de deixar o rei nu!
A importância dos métodos de luta e
organização
Todavia, as greves também são momentos
em que nos deparamos com as limitações e as “misérias” que também habitam a
classe. Na greve temos também de lidar com nossos colegas inseguros, seja por
espírito vacilante, seja por excesso de assédios, abusos e falta de uma maior solidariedade
do conjunto de seus companheiros de classe para com a sua situação.
Além
disso, não raramente, também há de se lidar com aqueles que, oriundos da classe
trabalhadora, ao galgar postos em suas organizações, vão aburguesando seu
espírito, adquirindo hábitos de verdadeiros “xerifes” do destino das
reivindicações e anseios dos trabalhadores. Adquirindo privilégios econômicos
ou não, a sedução que proporciona, o prestígio e a fama quando tocada em
lideranças que condicionam suas ambições às suas próprias carreiras pessoais em
detrimento de um projeto histórico, coletivo, de empoderamento e emancipação do
vasto mundo dos de baixo, tende a criar profundas chagas em meio às lutas e
organizações de classe. Desorganiza, despolitiza, desmoraliza; canaliza o
caminho das lutas à gestão de seu pequeno grupo de confiança, ambicioso por
manter-se ad eternum em seu posto de
privilégio.
Prepara o caminho para a pior de todas
as derrotas, aquela que nos desmoraliza: a derrota sem luta, no covarde e
permanente recuo. É por este caminho, a partir do desenvolvimento de valores
ideológicos, de sentimentos, perspectivas e horizontes que vai se desenvolvendo
aquilo que conhecemos, tristemente, enquanto burocracia sindical e/ou partido.
Reagir ao desenvolvimento deste trágico
fenômeno é, portanto, um caminho determinante àqueles que não titubeiam em
destinar todas as suas energias à busca de um novo porvir, de justiça e
igualdade, de socialismo e liberdade. Não se reage a esse fenômeno, portanto,
sem o desenvolvimento da maior atividade possível para que o conjunto dos
trabalhadores tomem em suas próprias mãos este projeto histórico. Que pensem e
caminhem com suas próprias pernas à essa busca criativa. É, portanto, a
atividade de resguardar a livre organização da classe trabalhadora e sua
capacidade de (re)criação permanente que pode promover um novo sujeito coletivo
e social, capaz de sepultar a injusta e odiosa sociedade que conhecemos. Embora
toda sociabilidade humana seja marcada, em determinado grau, por relações de
poder e “autoridade”, essa busca não passa pela atividade de chefes, sob pena
de nascer intoxicada e, portanto, condicionada à morte mais ou menos lenta.
Daí
resulta a implacável necessidade de sermos rigorosos com nossos métodos de luta
e organização muito mais do que o somos em relação à administração e conduta
das necessárias “negociações” que, ainda que contra nossa vontade, somos
levados a ter com nossos algozes. Todo conflito termina com algum lado
“negociando e cedendo”, a não ser que esteja posta a possibilidade de um
aniquilamento estratégico de alguma das classes em pugna. Negar (ou insinuar
que se esteja negando) a necessidade de negociação sem a perspectiva de uma
vitória estratégica em nosso objetivo finalista é um tanto absurdo e sugeri-la
não passa de devaneio ou, o que é mais recorrente, um artifício retórico para
indicar que a força da classe trabalhadora reside não em sua capacidade de se
colocar em movimento, golpeando de forma altiva seus algozes, mas sim na
habilidade e no carisma de um pequeno grupo capaz de administrar a situação, de
negociar de forma “consequente e responsável” as demandas coletivas, evitando
assim toda sorte de “descontroles”, de uma explosão catártica de revolta
daqueles que julgam controlar.
É com o brio de nossos métodos de luta e
organização que somos capazes de impor medidas de força que sejam capazes de
dobrar nossos inimigos e não apresentar ardilosas medidas que ingenuamente
podem ser vistas como um recuo dos patrões e governos, quando do que se trata é
de um sagaz movimento que vai para trás, para frente e para os lados, em suma,
que nos convida a bailar em sua própria festa.
Com a força das ocupações, dos
trancaços, piquetes e barricadas que encontramos a divisão crível para a devida
definição de quem são nossos companheiros, nossos camaradas. São nestes métodos
que residem a têmpera e a fibra de nossas greves e lutas, onde pulsa a forja de
um porvir de socialismo e liberdade tal como se fortalecem os antídotos para as
degenerações burocráticas que seguem pairando como trágica sombra obscura que
conspira contra a derradeira vitória de nossa classe.
*Edgard Silva, militante da Federação
Anarquista Gaúcha (FAG) e Resistência Popular.
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